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Publicado: Sexta-feira, 17 de abril de 2009

Patrimônio Cultural: de quem é a responsabilidade?

Quando se fala em patrimônio cultural nos lembramos de casas antigas, objetos de museu e igrejas barrocas, entre outros. Há, porém, outro universo do patrimônio que é aquele do não palpável, o chamado intangível, que abriga os saberes, os fazeres, as práticas próprias de certo grupo, de um povo, de uma comunidade.
 
Cada lugar, cada gente tem suas práticas singulares: a Festa do Divino Espírito Santo, Cavalhada, Congada, danças, músicas, práticas esportivas, linguajares.
A cultura é estática? Claro que não, tem padrões e se transforma porque a comunidade deseja, porque sente necessidade. Mas, de outra parte, ela também mantém seus rituais, são as chamadas permanências, que caminham, de geração em geração, sem grandes mudanças. Pois bem, esse conjunto de mudanças e não-mudanças caracteriza uma gente.
 
Quem toma parte nessas práticas? Aqueles que conhecem e se identificam. E quem não toma parte? Podemos também perguntar: essas práticas antigas são identidade de quem? Se sou jovem, tenho que me identificar com a cultura de gerações passadas? Sou novo na cidade, devo saber e participar de coisas que, a princípio não me dizem respeito?
 
Ora, todo cidadão tem o direito constitucional e o dever social de, ao menos, saber que a cidade onde vive mantém certas práticas, formas de ser, pensar, sentir e agir. Ninguém é obrigado a praticar nada, mas um mínimo de ligação com as raízes do lugar é fundamental, senão se torna alienado.
 
Se digo que “sou moderno”, visto roupas da moda, tenho carro novo e que não sou afeito a tradições, mas continuo gostando das receitas velhas da cozinha de casa, de acompanhar a romaria, fazer promessas para Santa Rita e deixar de comer chocolate na Quaresma, não sou “moderno”, mas estou equivocado, vendo o todo pela parte.
 
Povo sem tradição é como árvore de raízes frágeis, o primeiro vento a derruba. Quando a gente não cuida do que é nosso, vem alguém, assume a liderança, transforma as coisas, estabelece novas regras e aquilo que era não é mais. A gente fica com saudade, parece que falta alguma coisa, mas não consegue identificar o quê. Cada perda dessas é um pedacinho da nossa identidade que vai embora, até virar nada. Quem não participa, não ajuda a manter vivo ou, ao menos, não conhece e toma ciência do patrimônio cultural do lugar onde vive, está fadado a tombar na primeira tempestade: é gente fraca!
 
O patrimônio é o caminho seguro para entendermos o que e como somos. Vou me apropriar da frase de uma colega, Morgana Ribeiro: “Patrimônio Cultural é um conjunto de expressões humanas, materiais ou imateriais que venceram o tempo, por sua capacidade de re-significar o tempo presente”. Sem passado não há presente.
Nestes dias da Semana Santa em Itu, por exemplo, convivemos com cerimônias (patrimônio intangível) que estão conosco desde o século XVIII (por dez gerações, pelo menos). São importantes? Eventos como estes reúnem um conjunto de práticas: a definição do percurso de uma procissão, o arranjo de andores, de altares nas diversas casas, a música sacra, as cerimônias, os sermões, as práticas. Tudo isso é algo antigo, que transcende o religioso para residir também no campo da tradição.
 
A quem cabe gerir eventos tradicionais? Deveria ser um grupo de forças unidas, a promotora, neste caso a Igreja, a comunidade, aquela que participa mais diretamente e o Estado, a quem cabe dar a estrutura para qualquer evento que reúne a população. A responsabilidade é conjunta.
 
Infelizmente o que se tem visto em Itu é a sobrecarga da comunidade, menor participação do clero e quase ausência do governo, figura chave porque dispõe dos recursos que a população destina para a organização da cidade.
 
Em Itu a comunidade tem se organizado, mas tem encontrado pouco respaldo. No domingo cerca de quinhentas pessoas acompanhavam a Procissão de Passos, uma tradicional via sacra, contemplando os últimos momentos de Jesus, à maneira barroca, exaltando a dor, como se fazia no período colonial. O triste canto da Verônica é o mesmo, desde 1804, pelo menos. Está em processo de tombamento pelo IPHAN. A procissão acontece há mais de duzentos anos. É patrimônio de Itu? Lógico!
 
Imagens do século XVIII, música ituana do XIX a coro e orquestra, casas centenárias abrigando os altares ricamente ornados, tudo para celebrar um momento em que a comunidade está junta. A insensibilidade, porém, das parcelas da população que não participam é, no mínimo, assustadora: não conhecem, não sabem do que se trata, ignoram, se assustam. Aparecem no percurso do evento, gritando, fazendo-se ver, participar do todo, mas de maneira negativa, como é próprio dos excluídos. Como sanar essa ignorância? Com um programa (sério) de educação patrimonial da sociedade, na escola, nos meios de comunicação. 
 
Procissão de Passos interrompida por duas vezes, pela chuva, não diminuiu o interesse dos presentes, nem o cuidado com o patrimônio, sacrificando a passagem por um dos ricos altares, em função da preservação das imagens bicentenárias, suas centenárias vestes, dos instrumentos musicais, crucifixos, tocheiros, enfim, objetos frágeis à chuva. O povo resistiu bravamente, até o fim, porque é o evento é importante, porque seus pais e avós também faziam, porque a beleza e a arte elevam a gente a um patamar melhor de existência. Quantas cidades têm o privilégio de um passado tão fecundo, de olhar para trás e enxergar tanta coisa, de projetar o futuro a partir de tantos passos já caminhados?
 
Infelizmente o governo pouco participou e em quase nada contribuiu, mesmo tendo sido solicitado. Não dispôs de recursos para custear músicos convidados (não temos trompistas de orquestra em Itu, por exemplo); não pôde oferecer a banda para a procissão. Aliás, foi preciso buscá-la em Cabreúva (em Itu não tem banda?) às expensas de beneméritos doadores; o Coral Vozes de Itu cantou graciosamente (lembro que instituições como esta têm conta para pagar e vivem exatamente das apresen
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