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Publicado: Quinta-feira, 14 de junho de 2012

Passageiros indesejáveis

Se arrependimento matasse, a American Airlines já teria sumido do mapa. Nos anos 1980, a empresa teve a ideia de vender um tíquete de primeira classe vitalício, com direito a embarque para qualquer lugar e hora. Isso ocorreu durante uma das crises financeiras que a companhia enfrentou. Algum gênio de plantão inventou uma taxa, na época US$ 250 mil (algo hoje equivalente a US$ 600 mil), que permitia também incluir acompanhante por mais US$ 150 mil. "Pensamos que seria algo que as empresas gostariam de comprar para altos executivos", admitiu recentemente Bob Crandall, CEO da American Airlines entre 1985 e 1998, ao jornal Los Angeles Times. "Com o tempo, ficou claro que o público foi mais esperto que a gente", reconheceu o antigo executivo. Ele não revela, mas como se não bastasse, os passageiros vitalícios ainda podiam acumular milhas voadas.

Os passes ilimitados foram comprados, em sua maioria, por endinheirados como o astro de baseball Willie Mays ou o magnata dos computadores Michael Dell. Ou, então, ilustres desconhecidos, como Steven Rothstein e Jacques Vroom.

Esses dois até cansaram de tanto viajar, seja a negócios, por prazer, ou simplesmente porque gostavam de pegar avião. Eles não tiveram que se preocupar com filas. Praticaram até overbooking ao contrário: fizeram reservas em duplicidade para evitar atrasos ou cancelamento de voos.

De tanto andar de avião, os comissários de bordo até decoraram seus nomes e pratos prediletos. Como cada um dos dois também pagou o direito de levar acompanhante nas aventuras aéreas, até hoje se beliscam para acreditar se tratar de um sonho o que consideram a melhor compra que já fizeram na vida. Aos 67 anos, Vroom, um texano cujo nome até lembra barulho de avião, já voou o equivalente a 40 milhões de milhas, quatro vezes mais que o personagem de George Clooney se vangloriava no filme "Amor sem Escalas". Mais caseiro, Rothstein ainda está na marca das 30 milhões de milhas.

Entre os compradores, havia um tal de Mike Joyce, que adquiriu o tíquete vitalício em 1994, já ao custo de US$ 1 milhão, ao ser regiamente indenizado por um acidente de carro. Desde então, sem ter o que fazer, só neste ano Joyce viajou, em apenas 25 dias, de Chicago 16 vezes para Londres, o que equivaleria a gastos de US$ 125 mil em passagens. E, claro, ele não pagou um centavo. "Eu amo Roma, Sidney, Atenas", disse ao jornal que o entrevistou no Admirals Club da American Airlines antes de embarcar para algum ponto do planeta.

O que chama a atenção é a American Airlines demorar 15 anos para interromper esse tipo de venda tão desfavorável para ela. Ainda voltou a oferecer a mesma condição em um catálogo da loja de luxo Neiman-Marcus, em 2004, mas por US$ 3 milhões. Por esse preço não apareceram interessados. Não existe consumidor tão burro disposto a pagar essa quantia, pois fica mais barato manter um jato particular. Hoje, são ao todo 64 felizes passageiros que continuam a cortar os céus na primeira classe dos aviões da American Airlines. Com isso, lá se vão milhões de dólares de renda perdida devido a uma política desastrosa do passado pela qual a companhia, envergonhada, ainda tem que pagar pelo resto da vida.       

*Este texto foi publicado também na coluna Viagens de Negócio, de Fábio Steinberg, no dia 14 de junho de 2012, no Diário do Comércio da Associação Comercial de São Paulo. 

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