Pasárgada já
Vou me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada...
Com esses versos, Manuel Bandeira inicia um dos poemas mais belos e conhecidos de nossa literatura. Pasárgada é um lugar imaginário, onde o poeta, que na vida real sofria de problemas de saúde, seria “amigo do rei”, e poderia fazer com que todas as coisas acontecessem exatamente do jeitinho que ele gostaria que elas fossem. Não bastasse ele ter a mulher que quisesse, ainda por cima seria na cama por ele escolhida. O que poderia ser mais perfeito? Como alguém poderia ser mais feliz?
Mas onde fica essa Pasárgada, como fazemos para encontra-la? Tem no Guia 4 Rodas ou No Google Maps?
Eu mesmo, nunca vi...
Bom, na verdade, sim, já vi... Sim, na verdade qualquer um de nós pode ver... Agora mesmo... Não em nossa imaginação, num momento de sofrimento extremo como o poeta... Sofrimento? Não, não precisamos mais disto... Basta ligar a televisão, que qualquer um de nós pode ver o mundo de Pasárgada agora mesmo... O mundo dos comerciais de TV... Especialmente se sua televisão for 3D...
Cool, né?
Sim, no mundo dos comerciais de TV todos nós somos “amigos do rei”, e podemos ter a mulher que quisermos, basta comprarmos o último modelo do carro X ou Y, que as mulheres mais maravilhosamente malhadas e “photoshopadas” do mundo cairão sobre nós como maná do céu... No deserto... Mas precisa ser o último modelo, que se for o penúltimo, não valemos nada, e não “pegaremos” nem resfriado...
Zygmunt Bauman, um dos mais articulados e precisos observadores do mundo pós-moderno em que vivemos, nos chama a atenção para essa grande deusa de nossa era: a felicidade.
Sim, saia pela rua agora mesmo, aí mesmo onde você estiver e pergunte para dez pessoas que estiverem passando aleatoriamente o que elas mais querem de suas vidas, e a resposta será invariavelmente: a felicidade. Provavelmente teremos uma unanimidade aqui... Uma das poucas, nesse mundo pós-tudo...
Mas é óbvio, você, meu caro leitor, pode estar pensando... Quem não quer ser feliz? O que tem de novidade nisso, o que tem de errado? Isso sempre foi assim... A humanidade sempre foi assim... Né?
Na verdade, não. Na verdade, esse assunto de felicidade, de estarmos em busca da tal da felicidade, de sermos adoradores dessa deusa é coisa bem recente na história da humanidade. E... Do lado de cá do planeta... Em outras épocas, em outros lugares, as pessoas imaginavam e imaginam que a razão de existir a nossa existência aqui neste planeta pode se dar por outros motivos, de natureza mais “espiritual”, coisas (coisas?) como por exemplo: libertação espiritual e “salvação”.
Libertação espiritual e salvação? Mas isso é um absurdo completo, coisa de gente ignorante e supersticiosa. Coisa superada, de gente abestalhada que acreditava na balela vendida pelas religiões, de que a gente tinha que passar por uma vida de sofrimento aqui na terra pra ser recompensado com o Paraíso (Pasárgada) depois... Que sofreríamos aqui na terra para “sermos felizes” depois... Um absurdo completo, que a nossa ciência já varreu pra longe...
Graças a Deus... Né?
Pra nós, que fazemos parte do mundo globalizado hiper-capitalista, nós que estamos no topo da cadeia alimentar das civilizações que existem e já existiram aqui neste planeta, o lance é ser feliz aqui e agora... Agora mesmo, o mais feliz que pudermos, o lance é ser feliz... Agora mesmo...
Nossa civilização nos possibilita isso... Arranha-céus maravilhosos, mulheres malhadas e “photoshopadas” que estão sempre lindas e “desencanadas”... Mulheres “cool”, que são profissionais bem sucedidas, cheias da grana e sem filhos pra atrapalhar... Mulheres que, ao contrário das mulheres do passado, não querem encher o nosso saco com “D.R.” e fazem sexo com a gente sem esperar que a gente tenha qualquer tipo de sentimento ou consideração por elas no “day after”... Homens depilados, com seus cartões de crédito sem limites... E seus carros computadorizados que nos propiciam informações indispensáveis, como por exemplo, quantas calorias você vai consumir no caminho até a casa da sua sogra, ou por quantos hidrantes amarelos você vai passar... (sogra?). Apart-hotéis que só faltam falar, computadores que cabem na palma de nossas mãos e que nos propiciam tudo sem esforço nenhum... Redes sociais nas quais podemos re-inventar-nos constantemente e sermos tudo o que sempre sonhamos ser... Sem ter que fazer por onde... Sites em que podemos encontrar pessoas e manter uma relação sexual-virtual sem ter que conquistar a pessoa, sem ter que passar por toda aquela perda de tempo do passado: a dança do acasalamento... Shopping Centers maravilhosos, com temperatura ideal, desenhados pelos maiores designers do mundo, que podem nos proporcionar a mais eficaz de todas as formas de terapia, 24 horas por dia: compras... E se tudo isso não for o bastante, temos as nossas bolinhas mágicas: os anti-depressivos de última geração, que acabam com qualquer sinalzinho de “baixo astral” sem precisarmos perder o nosso tempo olhando pra nós mesmos... Enfim... Pasárgada já...
Mas então, se temos “tudo” o que precisamos, se somos a civilização mais esperta, a mais “cool”, a que tem acesso ao maior volume de informação e bem estar possível, de todas que já existiram, se já deixamos a religião com suas ingenuidades primitivas para trás e aposentamos a superstição de que a felicidade viria depois, se já estamos vivendo Pasárgada já, aqui, agora e pra sempre, por quê os nossos índices de depressão e ansiedade não param de crescer vertiginosamente?
Quem poderá nos livrar deste nó cego? Onde está o fio de Ariadne que nos conduz para fora deste labirinto paradoxal?
O velho Freud, que não gostava de religião, mas também nunca usava a palavra “felicidade”, se não explica tudo, pode nos dar alguma pista... O velho dizia que o fim de uma dor de dentes nos deixa felizes, mas que dentes sem dor dificilmente o fazem...
E Bauman, pode nos trazer alguma pista também... Ele diz que a “sociedade de consumo” em que vivemos não se mantém pela satisfação dos desejos, e sim pela geração de in-satisfação. É o que ele chama de “moinho hedonista”... Uma roda que não para de girar e gerar insatisfação infinita... Sim, por que se o carro ou a esposa do ano do ano de 2011 nos mantiver satisfeitos por mais de um ano, por que vamos comprar o mesmo carro ou continuar casados com a mesma esposa no ano que vem? O moinho não pode parar...
E quando eu estiver mais triste
Ma