Para entender o "APAGÃO"
COPA DO MUNDO - O TEATRO GREGO DO AGORA – Revisitando Nelson Rodrigues para entender o “APAGÃO”.
Nelson Rodrigues, além de ser um luminar das nossas letras, provavelmente o nosso dramaturgo maior, foi também um apaixonado pelo futebol. Com o seu olhar “dostoievskiano”, conseguia enxergar no esporte bretão, mais do que 22 marmanjos correndo atrás de uma bola. Na verdade, ele conseguia enxergar bem mais do que isso.
O “anjo pornográfico” tinha o talento dos que se tornam imortais nas letras: o dom de ver e dizer das almas das gentes. E dos povos. E dos tempos. De ombros com gigantes como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, o Nelson foi mais do que um tradutor: quase um autor do que entendemos hoje por “alma brasileira”.
E foi na crônica esportiva, que o Nelson escreveu durante quase toda a vida para sobreviver, que a sua visão profunda e apaixonada vibrou e nos mostrou além do que o nosso olho quadrado consegue ver.
Contemporâneo das gerações de ouro do nosso futebol, os “escretes” que foram campeões do mundo em 1958, 1962, e 1970, Nelson Rodrigues foi o poeta singular e genial que mostrou ao povo brasileiro aquilo que estava debaixo de seu nariz, mas que ele, em sua “miopia subdesenvolvida” como o cronista gostava de dizer, não conseguia enxergar: a sua própria singularidade e genialidade.
Hoje carregamos nas costas o peso daquelas conquistas épicas, mas na época, elas foram de um ineditismo tal, que somado ao trauma da trágica derrota em casa em 1950, eram quase inimagináveis.
Vamos chamar o Nelson para nos trazer uma coleção de pérolas entre frases e parágrafos retirados de suas crônicas:
- O começo de qualquer partida é uma janela aberta para o infinito.
- Amigos, a vitória sobre o Chile fez nascer um penacho em cada cabeça e esporas em cada calcanhar. O brasileiro anda por aí com ares do dragão do Pedro Américo. É a epopeia ventando nas nossas caras.
- O forte do Brasil não é tanto o futebol, mas o homem.
- Ponham um inglês na Lua. E na árida paisagem lunar, ele continuará mais inglês do que nunca. Sua primeira providência será anexar a própria Lua ao Império Britânico.”
Hehehehe... Muito boa essa...
- O futebol inglês, ou alemão, ou russo é de uma clara, taxativa, ululante mediocridade... ... Trata-se de um retrocesso evidentíssimo. A grossura, a truculência, a deslealdade ou, numa palavra, o coice nunca foi moderno. É um futebol que se devia jogar de quatro, aos relinchos, aos mugidos; e que também se devia assistir de quatro, com os mesmos relinchos e os mesmos mugidos.
Bom, seu Nelson, isso, pelo menos, mudou um bocado, não é mesmo? Tão dizendo por ai que eles aprenderam conosco...
- Muito bem: - e que faz o cronista? Quer que o jogador brasileiro, o melhor do mundo, também se transforme num centauro – um centauro que fosse a metade cavalo e a outra metade também.
Seu Nelson, isso foi naqueles tempos...
- Graças a Deus, há duas pessoas inteligentes em nosso futebol: - o craque e o torcedor.
Craque tá difícil, seu Nelson...
- O que sabemos nós do Brasil? Pouco, ou mesmo nada. A partir de 58 o Brasil começou a aparecer aos nossos olhos. E digo mais: - Foi o escrete que ensinou o brasileiro a conhecer-se a si mesmo.
Tá certo, seu Nelson, tá certo...
Alguém poderia acusar o Nelson de ufanismo, poderia cobrar-lhe a falta da “humildade” tão valorizada nesses nossos tempos pós-modernos e politicamente corretos. Mas o Nelson é um poeta, e poetas politicamente corretos não servem pra muita coisa. Aqui a genialidade do poeta visionário se mostra:
- Eu vou dizer o momento exato em que se inaugurou o verdadeiro Brasil. Foi após o hino nacional brasileiro. Os jogadores ainda estavam perfilados e trêmulos. A Rússia seria uma prova crucial. Mais do que nunca dava em cada jogador o dilema: - “Ser uma besta ou não ser uma besta?” E então, soou naquele escrete contraído, a voz de Garrincha. Com sua candura triunfal, dizia o Mané para o Nilton Santos: “Aquele bandeirinha tem a cara do seu Carlito!” Houve então o riso incoercível, total. Foi o bastante. O escrete tomou-se então de uma nova e feroz potencialidade. E da piada de Garrincha partiu para a vitória. Ali começou o verdadeiro Brasil. Ninguém sabe, mas foi uma piada que derrubou a grande, a colossal, a imbatível Rússia. A mesma piada deu ao brasileiro a sensação da própria grandeza. Com um quase pânico, o homem do Brasil percebeu que era genial.
Vejam só: uma piada, uma “molecagem” que enche o time de moral, quebra a sisudez opressora, e libera o gênio encerrado na garrafa da baixa autoestima. Nélson já percebia a importância que a condição emocional e a motivação têm numa competição como a Copa do Mundo. A Alemanha, campeã desta copa tem uma equipe numerosa que inclui psicólogos e professores de ioga para trabalhar a condição mental-emocional dos seus jogadores, e um time de “engenheiros do comportamento” que estuda minunciosamente as falhas na muralha da coragem do adversário e produz toneladas de informação que são utilizadas pelo técnico na hora de montar a sua estratégia de jogo. Molecagem, seu Nelson? Nem pensar...
Mas o que diria o nosso genial cronista se estivesse aqui e agora compartilhando conosco esse momento tão único e tão diferente dos que ele viveu comentando os caminhos do escrete nacional. Sim, o Nelson viu o Brasil perder jogos e ser eliminado de Copas do Mundo: 1966, 1974, 1978. Mas a derrota acachapante, os 7X1 que sofremos aqui em casa nessa Copa extrapola tudo o que poderíamos imaginar. Não foi apenas uma derrota esportiva, foi como diria o Nelson, uma derrota do “homem brasileiro”.
Mas que “homem brasileiro” é esse que foi massacrado por uma equipe que suou pra ganhar de um mirrado um a zero da Argentina na final?
Desde o dia da derrota do Brasil para a Alemanha eu já li e vi centenas de explicações para o acontecido, e acredito que elas devem estar todas corretas. A maioria se refere aos erros técnico-táticos do treinador, e/ou os prejuízos causados pela má gestão politica do futebol brasileiro, que, pelo que entendi, sofre das mesmas mazelas que a gestão publica do nosso país. E que não serão resolvidas sem mudanças estruturais, que só acontecem ao longo de algum tempo.
Mas o que mais está me interessando aqui é a visão “nelsoniana” do que aconteceu com os personagens daquela tragédia. Onde foi parar aquele “homem brasileiro” que o Nelson cantava em verso e prosa?
Tudo bem, a torcida brasileira, o povo brasileiro, anfitrião da copa deu um show de bola em termos de acolhimento e convivência pacífica com as outras torcidas. Bom, nem tão pac&