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Publicado: Quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Papai, o que é Deus?

Para quem não sabe, sempre acompanhei muito de perto o desenvolvimento de meus filhos. A ponto de ter ouvido a tia de minha esposa dizer:
- Nossa, não dá para saber quem é o pai quem é a mãe desta criança.
 
Seja por ter desenvolvido o papel de cuidador, durante os sete anos em que ajudei minha mãe a lutar contra seu câncer, seja por saber que eles crescem rápido demais, passo muito tempo com os dois: Caio [05 de dezembro de 2001] e Vitor [27 de dezembro de 2005]. São seres do século XXI. Certamente chegarão a 2090, senão mais.
 
Chegando da escola, hoje, brincávamos de encaixar animais em seus respectivos nichos cunhados em madeira. Caio, que fala, lê, escreve e pensa muito, de repente, falou menos para mim e mais para si mesmo:
- Eu sabia que sabia.
 
Soltou uma linda gargalhada e continuou:
- Papai, não é engraçado falar que a gente sabe que sabe?
 
Eu, naturalmente, disse:
- É super engraçado. Ainda mais porque o cara que disse mais ou menos isso pela primeira vez morava na Grécia há mais de dois mil anos atrás.
 
E continuamos a brincadeira. Eu, incentivando Vitor a acertar os encaixes e a se concentrar na brincadeira, já que tem muitos estímulos ao seu redor. Só Caio já é estímulo de sobra.
 
Se não bastasse aquela digressão filosófica, Caio faz a pergunta que eu esperava que ele fizesse daqui a uns oito anos:
- Papai, o que é Deus?
 
Desta vez, não tão rápido, respondi:
- Deus está dentro da gente.
 
E ele não deixou por isso:
- Aonde fica?
 
Muito provavelmente, ele acessou seu incrível hard disk e lembrou das partes do corpo humano que está montando, fascículo por fascículo, com a ajuda da avó.
 
Continuei:
-É transparente, não dá para saber onde ele está.
 
E lá vem ele de novo:
- E como a gente sabe que existe, então?
- A gente sente, eu disse.
- Como assim?
- Sabe quando a gente fica muito feliz?
- Hum, hum.
- Sabe quando a gente está com outras pessoas e se sente bem?
- Hum, hum.
“Sabe quando a gente faz uma coisa que fica super legal e que a gente gosta muito de ter feito aquilo?”
- Sei.
- Então, tudo isso é Deus. Falei em tom conclusivo, mas esperando a próxima jogada. No entanto, ele simplesmente sorriu com o canto da boca e dos olhos e percebi que naquelas dobrinhas minúsculas de seu sorriso estava Deus e ele mesmo sabia disto.
 
É deste Deus que tenho falado com orgulho. Um Deus-tesouro que encontrei depois de quase quarenta anos de procura. Um Deus-existência. Um Deus-grupo. Um Deus-eu, Deus-tu, Deus-nós. Um Deus resignificado por Jacob Levy Moreno, criador da socionomia, da sociometria, da sociodinâmica, da sociatria, entre outros termos pouco conhecidos ainda. Talvez o mais conhecido seja psicodrama.
 
Aquele Deus que aprendi na igreja e em casa não me satisfazia há anos, assim como não satisfaz a muitos e muitos seres deste planeta, que andam vagando pelas tendas de gurus à procura de si mesmo. E com isto não estou dizendo ser ateu, não. Muito pelo contrário. Vejo Deus a todo instante em mim e nos outros. Em cada obra de arte, em cada movimento novo, em cada ato criativo, em cada paciente que resolve roer os tensos fios que lhe tiram o sono e a vida para saltar penhasco abaixo se sabendo anjo de asas virgens e poderosas.
 
Escrevi, recentemente uma monografia intitulada “Deus como protagonista”. Quem tiver interesse, é só pedir. A dedicatória: “À minha musa Amanda a quem sigo amando loucamente e aos meus filhos Caio e Vitor a quem pretendo proporcionar um olhar psicodramático sobre os mistérios do nascimento, da morte e do louco percurso existente entre ambos.” Foi isso que fiz hoje.
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