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Publicado: Segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Pagar para ver

O mendigo, sujo, maltrapilho bate de porta em porta:
- Me dá uma ajuda. Estou, doente, faminto, desempregado...
 
Algumas pessoas respondem de longe:
- Hoje não tenho nada para dar.
 
Outras passam pela grade uma moeda ou um pãozinho dormido.
E o Raimundo, tristemente, arrasta pela rua a sua miséria sem esperança nem ânimo.
 
Uma manhã bateu a porta do Seu Alceu:
- Me dá uma ajuda. Estou doente, desempregado, com fome...
 
Seu Alceu abriu o portão, encarou o mendigo e perguntou:
- O que está acontecendo com você? É moço, forte, por que não trabalha?
- Não consigo serviço. Vim da roça na esperança de melhorar de vida na cidade, mas não consegui nada.
 
Se veio da roça deve saber lidar com a terra. Não quer dar um jeito numa horta que tenho no fundo do quintal e que não vai pra frente de jeito nenhum?
- Claro que sim. Vamos ver lá.
 
O rapaz mudou de cara. Sentiu-se de certa forma, importante por saber algo que aquele senhor bem situado na vida não sabia.
 
Os dois homens se encaminharam para o quintal, Raimundo, o mendigo, olhou para a horta do Seu Alceu e sorriu:
- Deste jeito o senhor nunca vai colher nada aqui. Olhe, a terra está muito dura, este canto está muito sombrio, a sementeira...
 
O tempo passou rápido. Os dois logo estavam conversando como velhos conhecidos. O Seu Alceu comentando seu fracasso com a plantação e o Raimundo contando a beleza das fazendas onde tinha trabalhado.
 
Almoçaram juntos e a tarde quando Raimundo foi embora já tinham combinado algumas horas diárias de serviço e o Seu Alceu prometeu recomendá-lo aos vizinhos e conhecidos.
 
Não foi fácil. Todos aqueles com quem falava eram unânimes em censurá-lo:
- Você é louco de receber assim uma pessoa que não conhece. E se ele for um ladrão? Um bandido? Um tarado?
 
Seu Alceu argumentava:
- E se ele for apenas um bom trabalhador precisando de uma oportunidade?
- Eu é que não pagaria pra ver! Tem muita gente conhecida, bem recomendada para trabalhar. Não há necessidade de contratar mendigos.
- Mas eu vou pagar pra ver, sim. Se não lhe dermos uma oportunidade como é que ele pode se tornar conhecido e digno de ser recomendado?
- Você pode se dar mal!
- E daí? Ele também está se dando muito mal.
- Não adianta argumentar com você. Você é mesmo um maluco teimoso!
 
Raimundo continuou trabalhando para o Seu Alceu.
Aos poucos, seus conhecidos, que tanto o haviam censurado no começo, foram chamando o Raimundo para fazer pequenos serviços, pois ele era, na verdade, um pau pra toda obra.
 
O varal caiu? Raimundo!
O cano entupiu? Raimundo!
A tomada estourou? Raimundo!
O pneu murchou? Raimundo!
E por ai afora...
 
Um dia, algum tempo depois, Raimundo falou ao Seu Alceu da esposa e dos dois filhinhos que deixara no sertão quando viera em busca da ilusória facilidade da cidade grande e que nunca mais pudera ir buscar.
- Você precisa ir buscá-la. Vamos ajeitar a sua vida primeiro, depois a gente arranja um emprego para ela, uma creche para as crianças...
 
Raimundo sorriu tristemente:
- Não sei se ela ainda está me esperando. Se arranjou outro eu não posso censura-la, pois eu não passo de um fracassado.
- Nunca mais diga isso! Saiba que tudo aquilo que falamos é ouvido por Deus e ele pensa que é isso que estamos querendo e faz acontecer.
- Será?
- Pode ter a certeza.
- Vou lhe contar o que fiz no auge do desespero:
- Fiz um cartaz dizendo: “ESTOU DOENTE, COM FOME, COM FRIO, SEM NINGUÉM.
ME AJUDE!”. - E sentava-me na calçada com ele ao lado, nos lugares de aglomeração de gente na esperança de que alguém se compadecesse de mim, mas as pessoas passavam longe, parece que eu as amedrontava ou repugnava. Pouquíssimos me davam alguma coisa.
 
- Claro! Com essas afirmações você estava atraindo para si só coisas negativas. Experimente mudar. Vamos fazer um cartaz dizendo: “SOU UM TRABALHADOR EM BUSCA DE TRABALHO. SOU SAUDÁVEL, TENHO MUITA ENERGIA E MUITA VONTADE DE SERVIR BEM A QUEM ME EMPREGAR”. - Nas horas vagas, quando não tiver um trabalho para fazer, fique com o cartaz em um ponto estratégico e você vai ver o que acontece.
 
Raimundo usou muito pouco o seu novo cartaz, pois muito logo não tinha mais horas vagas para ficar parado.
 
Aos poucos foi comprando ferramentas, ampliando seus conhecimentos e não vencia mais a freguesia de seus pequenos consertos.
 
UM ANO DEPOIS
Uma loja de miudezas, bem montada e surtida é inaugurada no bairro.
A frente um cartaz: CONTRATAMOS PESSOAL, ESPECIALIZADO OU NÃO, EM ELETRICIDADE, ELETRÔNICA, HIDRÁULICA, ETC..
 
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