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Publicado: Sábado, 13 de fevereiro de 2010

Os livros e a alma

Os livros e a alma
A leitura chega-me como uma anestesia

Confesso-me escrava dos livros.  A leitura chega-me como uma anestesia: transporta-me a outro mundo, por mim escolhido e idealizado. Sou eu quem seleciona o autor, o estilo e o assunto que vou ler.

Com os livros aprendi a ver as coisas desse mundo de outro jeito. Ver as coisas de outro jeito, incomoda quem insiste em ver sempre do mesmo. As pessoas se reúnem pelo jeito de ver as coisas. Quanto maior o número de pessoas que veem do mesmo jeito, maior credibilidade e respeito adquirem da sociedade. Talvez por isso nunca tenha pertencido a grupos institucionalizados. Clubes, igrejas, associações, classes e categorias jamais me conquistaram. Tenho horror ao sentimento de prisão, seja por doutrina, ideologia ou ritual. Quando adolescente, justificava-me pelo horóscopo: os astrólogos dizem que os sagitarianos não podem sentir-se aprisionados. Hoje, compreendo que a sensação advém de uma inquietude mais profunda: minha alma.

É também da alma que vem a paixão pelos livros. Gostar de ler não se aprende na escola. Só quem ama os livros pode despertar o prazer por eles. A escola não oferece tempo para amar os livros. O calendário e o conteúdo a cumprir, a entrega de notas, relatórios e documentos impõem o ritmo de um mundo com pressa. Os livros demandam tempo: conversam, revelam segredos, expressam ideias, verdades, ilusões e pensamentos; alguns chegam a fazer amor com os leitores. Despertam o máximo do prazer e escravizam: uma vez experimentado, jamais libertado.

Aprendi a amar a leitura e a escrita, primeiro, com a minha irmã - sempre escritora. Segundo, com a vontade desesperada, sempre tão forte, por aprender mais. Mas, só depois de me tornar mulher madura é que descobri o prazer absoluto: usar das palavras para emancipar corpo e alma da vida medíocre, rotineira, mecânica e igual. Não quero ser igual.  Preciso pensar, falar, ser, agir e gozar diferente. Construir e destruir-me como e quando quiser. 

Como disse Adélia Prado, “quero ficar surda para suportar os que me querem humana, e por esta razão me chamam desumana...” Quero sentir-me livre para desenhar o meu contorno e preenchê-lo das minhas verdades. Quero sentir-me única para pensar e escrever as minhas próprias palavras.

As palavras têm vida própria dentro de mim: ouço-as no meu pensamento ditando risos, dores e amores. Agem como o “zoom” da alma: afastam ou aproximam meus sentimentos.  Não foram poucas às vezes em que desviei meus pensamentos das palavras engasgadas no peito. Também foram muitas às vezes em que aumentei o volume da música para não ouvi-las marotas e cruéis. 

O escritor Bartolomeu Campos de Queirós diz “que as palavras sabem mais longe”.  É verdade. Quando as escrevo, sinto-me abrindo a porta da alma para que saiam longe e deixem-me em paz.

Às vezes elas voltam.

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