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Publicado: Quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Os dois reis e os dois labirintos - continuação

No último artigo, falava eu de uma analogia que faço entre os dois labirintos do conto "Os dois reis e os dois labirintos" (de Jorge Luis Borges) e situações insólitas de nosso ambiente educacional e cultural: de um lado, comparo o labirinto do rei babilônio (de paredes e escadarias) à nossa biblioteca municipal; de outro, equiparo o labirinto do rei árabe (o deserto) à internet.
 
O deserto (internet), labirinto nos domínios do rei árabe, ganhou dois fortes entusiastas: no Brasil, o governo federal (leia-se: Lula) e nos EUA, o diretor do Medialab do MIT (Massachussets Institute of Thecnology), Nicholas Negroponte (autor de "A Vida Digital")! Lembram-se daquela história do notebook de US$ 100 ? Cito, abaixo, trechos publicados no site do jornal O Estado de São Paulo (em 03/07/2005):
 
"No caderno Economia & Negócios do Estado deste domingo, Negroponte defende que é, sim, possível distribuir um computador para cada aluno da rede pública de ensino. E isso, não apenas no Brasil, mas nos quatro cantos do mundo."
 
"Na última terça, Negroponte se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília para explicar a sua proposta do notebook barato. Lula se entusiasmou com a idéia e definiu um grupo de trabalho para estudar a implementação do projeto no País."
 
Não sei o que uma pessoa (aparentemente) inteligente como Nicholas Negroponte quer ao defender notebooks para crianças no ensino público. Possivelmente quer atrair dinheiro de governos pouco criteriosos para o seu laboratório no MIT. Já o interesse do governo brasileiro me parece claramente mais um daqueles arroubos de demagogia estúpida, dispendiosa e sem-vergonha. Querer dar um notebook para cada aluno da rede pública de ensino, como se isso fosse a solução para a deficiência gravíssima do nosso ensino público é, como de hábito, querer tapar o sol (do nosso deserto educacional) com a peneira e deixar de fora o essencial: o fator humano.
 
De que adianta encher a molecada de computadores se a criançada não têm maturidade para selecionar o que é útil e se, na idade da explosão dos hormônios (como diz o Içami Tiba), vão gastar grande parte do tempo atrás de sites direcionados ao sexo (na maioria, de forma chula e nada educativa) ? E, mesmo na hipótese de que os pimpolhos busquem informações educativas, que possibilidade eles teriam de distinguir o joio do trigo se abandonados ao seu próprio arbítrio ou ao de pais que, mesmo bem intencionados, acabam não tendo discernimento suficiente justamente pelo seu próprio despreparo e pela baixa e má escolaridade de que eles próprios são vítimas ?
 
Simplesmente infestar a molecada com computadores só vai contribuir para a dispersão e, provavelmente, para a criminalidade. Se a criança mora numa região violenta, habitada por traficantes, viciados e outros delinqüentes, como é que essa criança vai ficar andando de cima para baixo com um notebook debaixo do braço? Será que ninguém vai querer roubá-lo para comprar drogas ou pagar dívidas já adquiridas ? Isso se a própria família não vendê-lo para suprir necessidades financeiras mais imediatas. Onde Negroponte pensa que nossas crianças vivem? Na Dinamarca, na Suíça, na ilha de Manhatan ?
 
Os computadores podem fazer muito pelo ensino, mas somente se seu uso estiver supervisionado por professores preparados e disponíveis para orientar os estudantes. E como pode um professor estar preparado para isso se ele próprio não tiver uma vivência e uma familiaridade adequada com os computadores ? Um computador para cada professor seria uma atitude efetiva em prol do ensino. Um computador em cada sala de aula também seria excelente, mas só o computador não adiantaria. Como quarenta ou mais alunos iriam se espremer para enxergar a telinha ? Portanto a fórmula não é nem um computador para cada aluno nem um computador sozinho na sala de aula, mas sim: um computador para cada professor + um computador em cada sala de aula + um projetor em cada sala de aula.
 
A fórmula acima também não resolveria grande coisa. Cada pessoa, cada criança aprende de modos diferentes, tem sensibilidades diferentes, percepções diferentes. Somente professores bem preparados podem dar conta dessa diversidade humana irredutível (e indispensável à sobrevivência da espécie!). E professores bem preparados não requerem essencialmente o uso de computadores, embora eles possam ajudar. Professores bem preparados requerem bom treinamento, ministrado por professores ainda mais bem preparados e vivência supervisionada em sala de aula. Mesmo todo esse preparo não será suficiente se os professores não forem valorizados, tanto do ponto de vista do orgulho profissional como do ponto de vista monetário. Como pode um professor preparar uma boa aula, com ou sem computador, se precisa correr de um lado para outro, em dois ou três empregos diferentes, para poder pagar suas contas ?
 
Eu já tinha rascunhado este artigo até aqui, quando me deparei com notícias sobre uma pesquisa intitulada Aprova Brasil, no site do Estadão (em 19/12/2006), que também foi noticiada nos telejornais, no mesmo dia. A pesquisa foi coordenada pelo UNICEF, a pedido do MEC. A pesquisa selecionou apenas uma amostra de 33 escolas de comunidades carentes cujos alunos de 4ª e 8ª séries tiveram desempenho acima da média nacional na Prova Brasil. Algumas das conclusões dos pesquisadores e pesquisados:
 
"O professor precisa entender que o aluno que o agride não o está agredindo pessoalmente, tem de estar preparado para receber as manifestações das crianças, saber qual é o seu lugar, suportar quando elas não estão bem, acolher sem cobrar. Isso é possível quando o professor aprende sobre mecanismos inconscientes, muito subjetivos, mas que geram problemas na aprendizagem. Esta é a única via possível, principalmente quando estamos tratando de alunos sujeitos ao fracasso escolar." (Ruth Cohen)
 
"A relação do professor, do servente, do diretor da escola, tem importância fundamental e o aprendizado é melhor quando há um clima afetivo de cuidado"
 
"A gente tem de usar todas as formas possíveis par
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