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Publicado: Quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O Yôga da Índia

Chegando ao meu destino, a cidade de Rishikesh, fiquei apaixonado pelo lugar. O rio Ganges corre límpido e caudaloso nessa região montanhosa, relativamente próxima da nascente. Pode-se meditar às suas margens, banhar-se em suas águas, cruzar o rio de barco ou pela ponte pênsil. Rishikesh é uma cidade muito bonita e imantada com a magia dos séculos. Era uma emoção simplesmente estar ali e saber que aquele solo foi pisado por alguns dos maiores iluminados dos últimos 5.000 anos. Ainda hoje, swamis (monges) e saddhus (ermitões) são vistos com freqüência. Há dezenas de mosteiros, templos e Mestres de Yôga, de Vedanta e de outras disciplinas. Os curiosos geralmente se deixam seduzir pela multiplicidade de escolas e começam a agir como crianças à solta numa loja de chocolates. Misturam tudo, fazem uma bruta confusão e não aprendem nada.
 
Eu sabia o que queria. Estava indo para o Sivananda Ashram (pronuncie Shivananda áshram), um dos mais conceituados mosteiros da Índia. Nenhum outro chamariz iria me desviar da meta. Lá encontrei coisas realmente muito boas, tanto que voltei a essa entidade quase todos os anos a partir de então. Nesse ashram tive a oportunidade de aprimorar meus mantras, conhecer mais variedades de puja, melhorar meu sânscrito (especialmente a pronúncia), desenvolver Karma Yôga, Bhakti Yôga, Raja Yôga, Sat Sanga, meditação, teoria Vedanta e travar contato com o verdadeiro Hatha Yôga da Índia, o qual não tem nada a ver com a caricatura praticada no Brasil com esse mesmo nome.
 
A partir dessa viagem pude compreender porque os outros instrutores do meu país eram tão agressivos com relação ao meu trabalho: suas aulas não tinham nem semelhança com o verdadeiro Yôga.
 
Cheguei mesmo a perguntar em várias escolas célebres de várias regiões da Índia, o que seriam aquelas coisas oferecidas como Yôga ao público desinformado e ingênuo da nossa pátria. A maioria era pura invencionice da cabeça dos supostos professores, os quais misturavam coisas tais como ginástica, antiginástica, bioenergética, ocultismo, espiritismo, zen, dança, expressão corporal e davam às diferentes misturas o mesmo nome genérico de Yôga (aliás, “yóga")!
 
Uma coisa que me chamou a atenção nas práticas de Hatha Yôga da Índia foi o fato de não encontrar lá aquela insistente repetição dos estribilhos comuns nas aulas de Hatha do Brasil, recitados com voz doce e de impostaçao hipnótica, tais como: "calma... não force... suavemente... ótimo, muito bem... cuidado... isso é perigoso..." Ao invés, encontrei ordens severas: "Força! Você pode fazer melhor do que isso! Quero ver mais empenho nessa execução! Agüente mais!" Eu era jovem, desportista e praticava muito bem os ásanas. Não obstante, às vezes ficava com o corpo todo dolorido depois de uma aula, coisa que aqui no Ocidente não se admite. Mais tarde concluí que a maneira deles era mais coerente, pois Hatha significa força, violência (confirme nos seguintes livros: Tara Michaël ‑ O Yôga, Zahar Editores, página 166; Iyengar ‑ A Luz do Yôga, Editora Cultrix, página 213; Georg Feuerstein ‑ Manual de Yôga, Editora Cultrix, pág. 96; Renato Henriques ‑ Yôga e Consciência, Escola de Teologia S. Lourenço de Brindes, página 276; Mircea Eliade ‑ Inmortalidad y Libertad, La Pléyade, página 223; Theos Bernard ‑ Hatha Yôga una tecnica de liberacion, Siglo Veinte, página 13; Monier-Williams ‑ Sanskrit-English Dictionary).
 
Na minha primeira prática de Hatha Yôga no Shivananda Ashram, o professor me mandou executar exercícios adiantados, como padmásana, nauli, sirshásana, vrishkásana, mayurásana e outros. E isso sem pedir nenhum exame médico, o que denota um espírito muito mais descomplicado da parte deles. Falou-se livremente sobre a kundaliní, sem o professor assustar ninguém nem exagerar seus eventuais perigos.
 
Outra demonstração da descontração reinante no Yôga da Índia é o fato de as aulas serem dadas num clima informal, onde está aberta a possibilidade do diálogo e até mesmo a de uma anedota posta por um aluno em classe, como ocorreu nesse inverno de 1975. Havia um monge velhinho, cuja função era a de tocar o sino a cada hora certa. Estando muito frio às cinco da manha, ele se refugiou na nossa sala de prática, onde o calor dos corpos de muitos yôgins aquecera o ambiente. No meio da aula ele começou a cochilar e pender a cabeça. Um aluno não perdeu a oportunidade de brincar:
 
‑ Olhe lá, professor! O swamiji entrou em samádhi!
 
O professor riu, todos riram e, em seguida, continuaram a aula com muita disciplina. Aliás, só conseguem essa descontração porque existe simultaneamente um profundo senso de disciplina, respeito e hierarquia que nos falta aqui no Ocidente.
 
Em suma, gostei do Hatha Yôga e do Raja Yôga experimentados no Shivananda. Para dar uma idéia do quanto esse áshram (mosteiro) me agradou, basta dizer que ele é de tendência Vedanta e, apesar disso, recebi lá boas aulas de Samkhya, o que constitui um raríssimo exemplo de tolerância. Outro forte exemplo é o fato de que um dos melhores livros de Tantra Yôga foi escrito pelo fundador Sri Swami Shivananda, sendo ele de linha oposta (brahmacharya). Tudo isso contribuiu para, em minhas viagens posteriores à Índia, acabar freqüentando muito mais essa instituição Vedanta-Brahmacharya do que qualquer outra de linhagem mais semelhante à do nosso tipo de Yôga.
 
Depois do Shivananda Ashram, tive o privilégio de visitar e participar de aulas no Kaivalyadhama, de Lonavala; Iyengar Institute, de Puna; Yôga Institute de Sri Yôgendra, em Bombaim; Muktananda Ashram, de Ganeshpuri; Aurobindo Ashram, de Delhi; todas muito boas escolas, de renome mundial, mas cada qual apresentando uma interpretação, um método e até mesmo uma nomenclatura completamente diferente das outras. Isso me foi tremendamente ilustrativo e ampliou minha tolerância em 360 graus. Nessas viagens conheci pessoalmente e recebi ensinamentos diretamente de grandes Mestres como Chidananda, Krishnananda, Nadabrahmananda, Turyananda, Muktananda, Yôgendra e outros. Segundo os hindus, eles são os últimos Grandes Mestres vivos, os derradeiros representante
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