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Publicado: Quinta-feira, 12 de maio de 2005

O verdadeiro parentesco de Grafite com o macaco

Temos que dar um desconto para os argentinos. Afinal, deve ser difícil para eles viver no mesmo continente que o penta-campeão mundial e terem eles conquistado a copa do mundo somente 2 vezes e uma das vezes, pelo menos (a copa de 1978), com aquela roubalheira descarada... Portanto, vamos pegar mais leve com o (traumatizado!) de Sábato. Creio que deveríamos pegar mais pesado mesmo é com os próprios brasileiros. Apesar da prensa dada no de Sábato, continuaram as manifestações de racismo contra Grafite. Antes do jogo da seleção brasileira contra a Guatemala, uma banana com a frase "Grafite - macaco" foi encontrada no gramado. A provável intenção do autor da banana seria a de agredir Grafite por sua cor, mas ele só conseguiu foi mesmo demonstrar seu analfabetismo galopante. Acontece que nós - o agressor, Grafite, de Sábato, eu e você, caro leitor - somos todos primatas. Grandes primatas, para ser tecnicamente exato. Não macacos. Somos parentes próximos dos gorilas, orangotangos, bonobos e chimpanzés. Isso já é admitido há tempos pelas pessoas medianamente cultas, racionais e desapegadas de fanatismos religiosos. O que não se sabia, até bem pouco tempo, é que os chimpanzés são mais aparentados com os humanos do que com gorilas e orangotangos.

Desde que Aristóteles (na Grécia, há cerca de 2300 anos) começou com a mania (mais tarde batizada de Taxonomia) de comparar e agrupar os animais pelas suas semelhanças anatômicas e fisiológicas, sabe-se que homens e outros primatas são muito parecidos, tanto na anatomia como no comportamento. Por mais de dois mil anos a Taxonomia prosseguiu agrupando os seres vivos e os fósseis por suas características visíveis, externas ou internas. Depois da compreensão do conceito de evolução biológica (aquela teoria atribuída, principalmente, a Darwin e Wallace, lembram-se ?), esse agrupamento dos seres vivos ou extintos em categorias passou a fazer mais sentido. Por exemplo, as diferentes espécies de felinos (gato doméstico, onça, tigre, etc) são mais semelhantes uma à outra do que ao cão doméstico. Este, por sua vez, é mais parecido com lobos e coiotes do que com qualquer felino. É mais que razoável supor que, num passado distante, houve um animal cuja descendência acabou se diferenciando, ao longo de milhões de anos, até chegar ao gato, ao tigre e à onça atuais. Um outro animal, mais ou menos contemporâneo do ancestral dos felinos, também teve sua descendência se diferenciando lentamente através das eras até chegar ao cão, ao coiote e ao lobo. Mas cães e gatos são mais semelhantes um ao outro do que qualquer um deles a um sapo ou a um peixe. É de se supor então que, num passado ainda mais distante (há dezenas de milhões de anos!), viveu um animal que foi o ancestral comum ao ancestral dos felinos e ao ancestral dos cães e lobos. Quanto mais diferentes entre sí forem duas espécies animais (ou vegetais), mais longe no passado encontra-se seu ancestral comum. Quanto mais semelhantes duas espécies, mais próximo do presente viveu seu ancestral comum.

O método de comparação e estabelecimento da filiação evolutiva entre espécies (filogenia) atingiu o auge nos dias atuais através do seqüenciamento e comparação dos genomas das espécies. Basicamente, a mesma tecnologia que permite o famoso teste de DNA, para verificação de paternidade entre humanos, também permite verificar o parentesco evolutivo entre diferentes espécies ou entre diferentes ramos (linhagens) de uma mesma espécie, seja ela de animais, plantas, bactérias ou vírus. É a evolução biológica conferida e estudada em escala molecular! A evolução nessa escala chama-se, é claro, Evolução Molecular, cuja ocorrência é verificada todo santo dia em cada laboratório de biologia molecular do mundo! (justamente o contrário do que dizem certos criacionistas de plantão, mas isso é matéria para outro artigo ...)

Em 2003, usando essas tecnologias de comparação de DNA, o Dr Morris Goodman e colaboradores (Wayne State University School of Medicine), compararam 97 genes humanos com os genes correspondentes do chimpanzé, gorila, orangotango e outros animais. Entre as várias conclusões dessa pesquisa, duas se destacam:

1) Onde os genes do chimpanzé diferem funcionalmente dos correspondentes genes humanos, essa diferença é de apenas 0,6% (você leu direito, zero vírgula seis por cento !!!). Isto é, para os genes estudados existe uma identidade de 99,4% entre homem e chimpanzé.

2) Analisando separadamente o parentesco evolutivo de cada par de primatas (chimpanzé/gorila, chimpanzé/orangotango e chimpanzé/homem), verificou-se que o maior grau de parentesco se dá no par chimpanzé/homem !

O chimpanzé é como nosso primo-irmão, enquanto é apenas primo em segundo grau do gorila e do orangotango.

Felizmente, nem todos pensam (ou sentem) como o nosso infeliz autor de banana e algumas pessoas tratam os primatas com o devido respeito e cuidado. Para orgulho de nossa região temos, aqui pertinho, um santuário de grandes primatas (veja o artigo de Deborah Dubner), onde alguns deles podem viver a salvo do preconceito ou da indiferença de muitos de seus primos humanos.

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