Colunistas

Publicado: Quarta-feira, 27 de abril de 2005

O sufocado grito da inconfidência

Falta de fé ? Fidelidade? Ou arrojada vontade a criar civilidade?

Conspiração em que o tiro se não deu ? Razões de um passado imenso construindo o presente?

Insucesso de inconfidentes, afinal compondo um destino ao criar primórdios no latente espírito republicano? Poetas a divagar e a arquitetar sonhos ou a mendigar justiça ou redenção? Eram certamente gérmens ou ares do novo mundo a que já nenhum poder podia mais corromper ou impedir ! . . .

Foram ilusões, interesses ocultos, quiçá sem certeza ou alguma esperteza inconsistente, inocências, somente seguras das incertezas, nas insanas lutas de verbo e espírito, longos e maquinados sonhos de grandeza e liberdade, aspirações sinceras, esperanças vãs, convicções e ímãs de emulação ou puras ilações, visões proféticas a sugerir novas nações ? . . .

Foram valores, valores, valores sim, não importa se era o "amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim", caldeados enfim em bolores e fulgores de angustiada , infinita e ansiada espera , germinados sigilosa e sub-repticiamente em cadinho íntimo de horrores indescritíveis, deglutidos no burburinho de vozes, de cheiros fortes e odores brotando espontâneos também de poros e suores de gente colorida ou semi-colorida, sofrida, brutalmente hostilizada e ferida no mais íntimo , ínfimo e magno valor ou virtude, insultada no seu ego natural e na massa musculosa e forte submetida ao tronco e grilhões, da senzala. Eram dores morais, imorais, materiais, sutis, dores físicas, frias, finais, febrís, reais, intermináveis. Dores incríveis, mitigadas apenas na bondade da fé, no olhar carinhoso e conformado da mãe preta, ou acaso do caridoso senhor samaritano, talvez a fazer-se de desentendido, vozes lacrimosas, entoação dolente, olhos na cruz sacrificiante, suplicantes à gratidão de poucos justos e de alguns inconfidentes, na ilusão de lealdade a ideais ou esperanças, quiçá egocêntricas ou egoístas e, ao perdão da própria culpa, culpa de não saber exatamente de que culpa se culpavam. E a derrama? A frustração ao saber-se que a derrama afinal já não se derramaria e o sofrido e agastado povo não se levantaria ! ... Insônias intermináveis ! ...

Inicia-se então o processo instável do total desafôro, desforra e desconforto: Foram chicotadas e chicotadas de chicotes de bem timbrado som, crueldade indizível trespassando carnes e respingando sangues sob olhares e faces hirtas, de olhos esbugalhados, incrédulos; corações exaltados a desgarrar-se sem atinar ao certo se era dantesco castigo aberto à alma sofredora, - tão perto de outras almas gêmeas compungidas a repelir no íntimo essa barbárie e a testemunhar silenciosa ou em névoa de lágrimas, gritantemente ao vivo, ou ainda em contrito segredo, o indescritível, - ou postigo a trancar para sempre consigo e no íntimo mais secreto, aspirações da mente e corações libertos? Se a única aceita e indiscutível verdade era a do dono, senhor absoluto dos corpos, dos metais e consciências, a fazer das aparências o gáudio de suas Excelentíssimas Excelências , não restava portanto mais o mínimo de nada , que o grito cristalino, belo e glorioso da Inconfidência, a dar pistas e luzes libertas ao futuro, arrancado tão bravamente em gemidos à carne e alma dos oprimidos que sofrem e clamam desde sempre ao infinito:

"LIBERTAS QUAE SERA TAMEN"

Comentários