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Publicado: Quinta-feira, 27 de abril de 2006

O Sacerdócio de Cristo na Páscoa

Um dos elementos mais importantes da Páscoa é a memória da instituição do sacerdócio ministerial. Dá-se na missa In Cena Domini, de Quinta-Feira Santa, numa indissolúvel unidade com o mistério eucarístico e à mística do serviço simbolizado no rito do lava-pés. Recorda-se que na Igreja há um único e verdadeiro sacerdote, Jesus Cristo que morreu e ressuscitou e está entre nós.

O sacerdócio de Cristo é inteiramente novo. Jesus tendo se encarnado em uma realidade sócio-religiosa-cultural concreta, vivia na comunidade judaica como membro do povo, seguindo os preceitos religiosos, freqüentando a sinagoga como todo bom hebreu, mas não pertencia à classe dos sacerdotes da antiga aliança. Observa-se que, em seu tempo, a religião andava desgastada, de caráter muito sacrifical com oferta de animais, e muitas exterioridades. Jesus estabelece uma mudança, reorienta caminhos, corrige desvios. Apresenta a verdadeira imagem de Deus, Pai de misericórdia, em vez de juiz castigador, supera os antigos sacrifícios esvaziados de seu sentido, e é apresentado como novo Cordeiro que tira o pecado do mundo.

A carta aos Hebreus apresenta a novidade do sacerdócio de Cristo que supera o antigo sacerdócio judaico, estabelecendo o novo, único e eterno sacerdócio da nova aliança (cf. Hb 10,9). O sacerdócio de Cristo não se dá por herança familiar, nem por privilégios, nem por qualquer outra obra humana. Ele é entrega total ao Pai, por amor aos irmãos, por doação inteira ao Povo de Deus, por compaixão com as nossas fraquezas, na busca da santidade (cf. Hb 4,15). Assim, na Igreja não há outro sacerdote que não seja Jesus Cristo, o que vale dizer que os que chamamos sacerdotes somente o são enquanto, pela força mística do sacramento da Ordem, são integrados, inseridos, no único sacerdócio de Cristo. Daí podemos compreender o que significa dizer que eles agem in persona Christi Captis (na pessoa de Cristo-Cabeça) ou que são alter Christus (outro Cristo).

O sacerdócio de Cristo é participado por todos os batizados, povo de Deus, raça escolhida, povo sacerdotal chamado a oferecer-se como hóstia viva, hóstia santa, agradável a Deus, como afirma o Apocalipse de São João: Nos fez reino e sacerdotes para Deus seu Pai... (Ap 1,6). Pelo batismo, todos participam deste sacerdócio comum, o sacerdócio batismal que antecede e justifica o sacerdócio ministerial. O sacerdócio batismal faz com que cada um na Igreja represente a Jesus Cristo. A Igreja toda é a imagem e sacramento de Cristo no mundo. É nesta realidade de povo sacerdotal, que se baseia e se expressa o ministério ordenado em seus três graus: o episcopal, o presbiteral e o diaconal. Quem é ordenado não é ordenado para fazer algo, mas ser alguém, ser ministro de Cristo configurado a Cristo-cabeça, pastor, servo da Igreja. O agir do ministro ordenado somente terá sentido se for uma decorrência do ser. O ser sacerdote não significa apenas realizar coisas próprias de um servidor sagrado, significa ser como Cristo, ser de Cristo, agir em tudo à maneira de Cristo. Na tríplice dimensão do ministério de Cristo, sacerdote, pastor e profeta é que se dá o sacerdócio ministerial. É na essência e na vivência deste ministério de Cristo-cabeça que se verifica a diferença do ministério ordenado em relação ao sacerdócio comum dos fiéis. Diz a Lumen Gentium que foi para que o ministério batismal alcançasse sua realização plena que Cristo instituiu o sacerdócio ministerial e hierárquico. A característica marcante do sacerdócio ministerial é a capacidade de doar-se inteiramente, à semelhança de Cristo que disse:“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15,13). A isto completa São João em sua primeira carta: “Jesus deu a vida por nós, portanto também nós devemos dar a vida pelos irmãos” (1Jo 3,16).

O sacerdócio de Cristo é fortemente marcado pelo caráter missionário o que pode se verificar pelas inúmeras vezes que o Senhor utiliza o verbo enviar, mandar dirigido aos discípulos. Só será verdadeiramente sacerdote de Cristo aquele que tiver a capacidade de compreender a dimensão missionária desta vocação. Ao início de sua vida pública, Cristo vai à sinagoga em Nazaré, em dia de sábado, escolhe o texto de Isaías para apresentar sua missão: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres e me enviou a sarar os contritos de coração... e anunciar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,16-21). No dia da ressurreição, Ele se apresenta aos discípulos e diz: A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, eu vos envio a vós (Jo 20,21).

A Igreja é perenemente pascal. Anuncia a morte e a ressurreição de Cristo até que ele volte para restaurar todas as coisas e oferecer, como Sacerdote único, o sacrifício definitivo, depositando na patena todo o cosmos, com os corações dos que reconheceram o Cristo ressuscitado, Sumo e Eterno sacerdote, o Bom Pastor das ovelhas.

Olho:
Ser sacerdote não significa apenas realizar coisas próprias de um servidor sagrado, significa ser como Cristo, ser de Cristo, agir em tudo à maneira de Cristo.

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