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Publicado: Sexta-feira, 22 de abril de 2005

O nome de número 150

Estavam todos reunidos na sala. A avó, o pai, a empregada e o amigo acadêmico da família tentavam definir o nome do menino que nasceria em alguns minutos, num hospital não muito longe dali.

Disse o pai do menino: “Eu e a Clara gostamos de João Pedro...”

A avó: “João é muito bonito, quer dizer ‘Amado do Senhor’, Pedro também é lindo, quer dizer ‘Pedra, Rocha’, mas João Pedro está muito batido.”

A empregada deu sua opinião: “Acho que, como a dona Maricota está completando oitenta anos e está muito firme, poderíamos colocar um nome para homenagear a avozinha do menino”.

A dona Maricota foi a única que apoiou a idéia. O acadêmico amigo da família ficou imaginando como se nomear um menino em homenagem a uma senhora chamada Maricota: “Maricoto, Mourocota, Maurocota”.

A empregada completou o absurdo: “Poderia ter dois nomes, tipo, Mario Cota. Como a família é Matarazzo Andrade, ficaria: Mario Cota Matarazzo de Andrade”.

O acadêmico amigo da família teve de intervir: “Sim, e ele pode estralar uma novela mexicana, porque nome para isso ele já possui”.

O pai do menino disse: “Ele tem de ter um nome que resuma a vida dele, que seja único e bonito”.

O acadêmico amigo da família: “Dar nome a coisas importantes não é fácil! Quando escrevi meu quarto livro, comecei a história pelo título, mas, depois que terminei de escrever, mudei o título completamente. Lembro aqui a minha tese de mestrado, onde defendi que as pessoas tenham um número de identificação até os dez anos, quando ele mesmo pode escolher o nome...”

Dona Maricota cortou-o: “Lá vem você outra vez com essa tese não-sei-do-quê. Vocês não entendem de dar nomes de gente. Eu sim, escolhi cento de quarenta e nove nomes durante minha vida. Eu entendo do assunto!”

A empregada: “É verdade, o nome do Watson, do Robin Nélson e da Ava foi ela quem escolheu”.

O acadêmico imaginou a empregada chamando os filhos por aqueles nomes. Mas não riu por educação.

A empregada trouxe mais um de seus sábios conselhos: “Sabe como minha vizinha fez? Deixou para escolher na hora que a filha dela nasceu. Se a menina demorasse a nascer, seria Maria das Horas, se o parto fosse perigoso, seria Ana Vitória e se não nascesse... bem, acho que daí nem teria nome”.

O pai do menino perguntou o nome do pai de cada um ali. O da empregada era João José, o da Dona Maricota era João Benedito e do Acadêmico era John William. Disse o pai da criança: “Parece que João está certo, ele vai se chamar João”.

A avó começou a passar mal. Sentiu o peito apertado, pois tinha esperança que naquela tarde escolheria o centésimo qüinquagésimo nome em sua vida. Ela começou a enxergar uma luz ao longe, a sala ficou gradativamente mais clara, não teve dúvida: chegara sua hora.

“Luz, luz”, disse a idosa, quase afônica.

Para homenagear aquela que morreu tentando definir o nome do netinho, fizeram uma mescla de todos os acontecimentos e discussões daquela tarde: o menino chamou-se João Luís Mario Cota Matarazzo de Andrade.

De nada adianta essas discussões filosóficas, saber significado de nomes, sempre vamos escolher o mais comuns. E o pior, por mais que escolhamos, João Luís Mario Cota é sempre “Jão”, Daniela Cicarelli é sempre “Dani”, Roberto é “Beto”, Benedito é “Dito”.Talvez a tese do acadêmico amigo da família seja necessária.

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