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Publicado: Segunda-feira, 24 de julho de 2006

O Leitão e o caixão

Sylvio Leitão, meu bisavô, teve uma vida pródiga, família numerosa, casa sempre cheia de amigos e muitos “causos” divertidíssimos que embora pareçam fantasia, aconteceram de verdade.

O causo do caixão no forro é um dos mais estranhos e serve bem para ilustrar suas manias e cismas. Aposto que muita gente mais velha lembra desse episódio ou pelo menos já ouvi sobre isso em alguma conversa.

Dá-se que, lá pelo começo do século passado, uma epidemia de gripe assolou a cidade, provocando mortes em escala assustadora. Tantas eram que a Casa Tobias não dava conta de produzir esquifes em quantidade suficiente para atender as necessidades da enorme e finada clientela.

Imperiosos os sepultamentos, faltantes os caixões, iam os defuntos, em mortalhas de pano branco, a desfilar pelas ruas em direção ao cemitério.

Sylvio Leitão foi tomado por grande aflição. E se também fina-se, como ir para a morada definitiva sem os paramentos apropriados? Ser enterrado em panos? Jamais!

Foi ao amigo Tobias e, antecipando-se ao inevitável, encomendou o seu caixão. Dizem em casa que tirou medidas, escolheu a cor do tecido para o forro, os desenhos da madeira, tudo a seu gosto e jeito. Tomou todas a providências para que no momento fatal, tudo o que teriam que fazer era colocá-lo dentro e fechar a tampa.

Sucede que a epidemia acabou e Sylvio Leitão escapou esbanjando saúde, bem gordinho até! E agora, que fazer com o tal caixão?

Jogar fora, devolver para o Tobias? Bobagem, um dia há de servir, é o destino de todo ser vivente, mais cedo ou mais tarde. Até esse dia chegar, mandou guardar sobre as madeiras do forro de uma das salas da casa na Rua das Palmas.

E lá ficou o esdrúxulo equipamento mortuário a esperar a oportunidade para cumprir sua função.

De tempos em tempos, já cego pelo glaucoma, Sylvio mandava descer o caixão, deitava, pedia para alguém ver se continuava servindo, se o tecido ainda estava bonito e a madeira lustrosa.. Tudo certo, lá ia o tal de volta para o forro, pairando como alma penada sobre as cabeças das visitas ( será que elas saibam desse pequeno detalhe?).

Quando chegou a hora, Sylvio Leitão foi para o descanso eterno nesse ataúde que esperou pacientemente por longos anos, o momento de acolhê-lo para sempre.

A sua morte foi noticiada aqui mesmo no Jornal A Federação, em fevereiro de 1954, em extensa e laudatória reportagem, porém sem a foto do famoso caixão.

E, para quem está achando que essa história é a maior excentricidade de Sylvio Leitão, que espere o causo do retrato no banheiro, é ainda melhor!

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