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Publicado: Sexta-feira, 26 de agosto de 2005

O legado Joaquim Borges e o "Lyceu de Itu"

Lavadouro Público - 1910

Joaquim Bernardo Borges nasceu no início da segunda metade do século XIX em Vila Marin, Concelho de Mesão Frio, em Trás-os-Montes, nordeste de Portugal.

Com 15 anos de idade vem ao Brasil, para tentar “fazer fortuna”. A sua história de vida certamente é próxima àquela do médico e escritor português Miguel Torga, também natural de Trás-os-montes, contada no livro A criação do mundo (Coimbra, 1937):“Numa madrugada de outubro, meu pai acordou-me.
- Filho, ergue-te, que são horas. Já vem a romper o dia.
Era a minha partida para o Brasil...
Meu pai acompanhou-me ao comboio. Na Vila fomos primeiro a uma tasca comer uma malga de tripas cada um, e, a seguir, dirigimo-nos para a estação ao encontro do senhor Gomes, que apareceu mesmo à hora da partida.
- Aqui entrego-lhe o pequeno. Faça por ele o que puder, que eu, apesar de pobre, lho agradecerei um dia. E tu, já sabes: o mundo é dos homens!
Sabia e não sabia, ao mesmo tempo. Mas fiz de conta que sim.

O Lavadouro Público em ruínas

E, para mostrar que ia cheio de ânimo, disposto a lutar e vencer, subi para a carruagem como se nada fosse.
Eu próprio estava admirado da minha serenidade, quer à despedida em casa, quer ali. Mas apenas o comboio se pôs em andamento, e meu Pai foi ficando cada vez mais longe, lavado em lágrimas na gare, cegaram-se-me subitamente os olhos e chorei desesperadamente.
Da ponte sobre o Douro, no Porto, olhei a cidade onde vivera pela primeira vez longe do ninho... O comboio, frenético, avançava sempre. E eu, resignado no meu lugar, a vê-lo correr. Que remédio. Ia despachado para o desconhecido, e nada podia fazer”.

Borges desembarcou em Santos. Logo depois se dirigiu a Itu, onde começou a trabalhar na “loja de fazendas” de João Batista de Macedo, estabelecida na antiga rua Direita, hoje Paula Souza. Depois foi caixeiro da casa comercial de Manoel Joaquim Antunes Russo, onde se tornou funcionário exemplar e respeitado. Nessa época, a Guerra da Secessão americana desorganizou a lavoura de algodão do sul dos Estados Unidos, justamente quando aumentava a demanda do produto na Europa.

Esses fatores conjunturais contribuíram para o desenvolvimento da lavoura do algodão no Brasil. Na província de São Paulo, as regiões próximas a Itu (Sorocaba e Porto Feliz) também ampliaram suas lavouras de algodão. Agora, além da demanda das fábricas locais (em Itu, Salto e Sorocaba), era possível multiplicar os ganhos com a exportação.
O Largo da Caixa d'Água, hoje Praça
Conde de Parnaíba, 1920

Manoel Russo passou para Joaquim Bernardo Borges a incumbência de comprar algodão em Porto Feliz. Borges conseguiu fazer tão bons negócios que, além de satisfazer plenamente as expectativas do patrão, teve e não desperdiçou a oportunidade de iniciar a formação do seu pecúlio. Quando o patrão morreu, Borges já tinha cabedal suficiente para montar o próprio negócio. Na rua do Comércio abriu uma promissora casa de comissões e consignações, especializada na compra e venda de algodão e chá. Era o início de uma fortuna, pouco a pouco acumulada, com “tino comercial” fora do comum e dedicação ao trabalho à moda de um “mouro”, como ainda se diz em Trás-os-montes. Em 1875 Borges fechou sua casa comercial em Itu e mudou-se para a capital da província. Em São Paulo, investiu sua fortuna em negócios imobiliários e investimentos nas casas bancárias, que então ganhava franco desenvolvimento com a euforia dos negócios gerados pela economia do café. Logo depois, regressou a Portugal, para viver na cidade do Porto, não muito longe do Conselho de Mesão Frio. Pouco tempo antes de morrer, fez o seu testamento. Datado da cidade do Porto, em 10 de novembro de 1920, o testamento destinava à Santa Casa de Misericórdia de Itu o legado de 4.455:024$000, constante de apólices e prédios localizados em São Paulo, “com a condição de fundar e administrar perpetuamente na cidade de Itu uma instituição que se denominará Instituto Borges de Artes e Ofícios e uma Maternidade”.

O engenheiro-arquiteto Francisco de
Paula Ramos de Azevedo

Borges, como homem sensível às questões sociais e econômicas do seu tempo, devia conhecer de perto a trajetória da Santa Casa de Misericórdia de Itu. Ele viveu na cidade no período de consolidação da instituição, fundada em 1840 com o pecúlio de dois contos de réis deixado por Caetano José Portela. Quando em março de 1846 D. Pedro II visitou Itu e soube do empreendimento, o imperador também fez questão de deixar um donativo de três contos de réis. O historiador Francisco Nardy Filho lembra que foram proféticas as palavras de Cândido José da Mota na Câmara de Vereadores, quando propôs a fundação da Santa

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