O lado sombrio da tecnologia aplicada à educação
“Nada é mais terrível que a combinação da ignorância ativa com o individualismo irresponsável”
Adeus sala de aula! Adeus professor! Adeus escola! Qualquer pessoa de posse de um smartphone ou um tablet pode assistir a um vídeo em um ambiente virtual dentro de uma rede social, participando de um webinar através de jogos e simulações armazenadas nas nuvens. Esta é uma das novas formas de aprendizagem no mundo digital. Bem vindo ao mundo da tecnologia aplicada à educação!
As novas tecnologias permitem formas diferenciadas de acesso à informação e modos alternativos de promover a aprendizagem, personalizando os caminhos do saber, ampliando as interações, tudo partilhado dentro de grupos gerando uma produção coletiva de conhecimento. Rápido, instantâneo, livre de lápis, caderno, livros e professores.
Um jovem enfurnado na floresta amazônica, isolado dos centros civilizados, recebe informações que levariam dias de viagem de barco para chegar até sua casa, pelo simples clique no teclado do computador ou na tela do celular. A tecnologia permite reduzir as desigualdades na educação que tornam o Brasil um campeão do analfabetismo.
Será o momento da grande virada, a revolução que transformará o indivíduo em cidadão responsável pela sua vida e pelo convívio produtivo em sociedade?
O professor Sigmar Malvezzi, em recente encontro na USP, nos oferece um pensamento sobre qual educação o mundo precisa e desvela os aspectos sombrios dos caminhos atuais da aprendizagem. A partir de suas ideias podemos elaborar algumas conclusões sobre o panorama da educação atual. Ele nos lembra de que a educação tem origem no convívio da família, estendido depois para a escola e hoje partilhado por diversos agentes. Vive, porém, um momento de transição com muitas incertezas sobre seus rumos.
A educação hoje tem que dar conta do profissional nômade e atemporal, exposto a referencias fluídas, vulnerável e precisando adquirir competências instáveis. A informação que chega até ele é de origem duvidosa, pouco confiável e ele não dispõe de recursos de análise e de crítica para fazer um crivo e separar a verdade da pós-verdade, o fato do pós-fato, a realidade da realidade paralela, a verdade da ilusão. Ele é refém do Google e do conhecimento superficial e volátil. Buscam-se respostas ao invés de perguntas que levem à reflexão.
A educação que era feita em sala de aula, sob controle do professor, passou a ser feita em qualquer espaço, livre, sem controle. Os professores, especialmente os da rede pública, não foram capazes de acompanhar os avanços tecnológicos e perderam o respeito dos alunos, principalmente dos mais curiosos e inquisitivos.
A vivência empírica é substituída pela vivência virtual, imaginária que leva as pessoas ao consumo simplificado das coisas e ideias, em vez de refletir, agir e fazer. O culto à memória (dos grandes pensadores, líderes e modelos de virtude) é derrotado pela indiferença do esquecimento. Figuras banais e efêmeras roubam o espaço dos verdadeiros exemplos de conduta. Enfim, a vida digital globalizada altera os pilares da civilização formatada pelos séculos da evolução iniciada pelos gregos.
Nunca a sociedade dispôs de tantos recursos para compreender esta transição: escolas, banco de dados, inteligência artificial, acessos múltiplos à informação deveriam proporcionar uma visão clara dos rumos da educação No entanto, a combinação da ignorância ativa com o individualismo irresponsável representa sérios obstáculos à capacitação para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. A educação implica em maturação, realização de potenciais e permanências, ambas difíceis nas relações da sociedade digitalizada.
De que educação o mundo precisa? O resgate do indivíduo como sujeito responsável, capacitado para compreender e agir na sociedade complexa. Esta abordagem requer uma preparação dos professores, presenciais e virtuais e o desenvolvimento de habilidades de reflexão por parte dos alunos. Aprender a pensar é mais importante que encontrar respostas fáceis e executar automaticamente.
Aí reside o dilema da educação: aproveitar a vantagem dos meios tecnológicos para levar a educação ao rumo certo: o desenvolvimento pleno do indivíduo que contribua para a evolução da sociedade.