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Publicado: Sexta-feira, 17 de julho de 2009

O jovem Ercílio

A vida tem fatos impossíveis de serem explicados. Coisas que acontecem repentinamente, sobre as quais nos espantamos. Ninguém está livre disso. Pode acontecer com qualquer um. De vez em quando passo por algumas situações que, sem dúvida, creio serem permitidas por Deus para me dar alguma lição. O que passo a contar é nada mais que a verdade.
 
Depois de algumas semanas adiando, finalmente levei meu carro para consertar um botão do vidro elétrico. Parei na auto-elétrica e comecei a conversar com o rapaz que me atendia. Enquanto ele fazia o conserto, percebi que uma senhora aproximou-se vagarosamente de nós. Virei-me e, como a mulher não dissesse nada, perguntei educadamente: “Pois não, senhora?”.
 
Estou acostumado a ler as pessoas pelo olhar. Assim Deus me permite medir a sinceridade, o interesse, a amizade e até mesmo a desonestidade de quem se aproxima de mim. O que vi nos olhos daquela senhora foi um olhar de saudade. Descobrindo isso em questão de segundos, finalmente a mulher respondeu: “Vim aqui apenas para te olhar”.
 
A resposta me pegou de surpresa e fiquei sem jeito. Mantendo a educação, pacientemente pedi que se explicasse. Ela disse chamar-se Tereza e afirmou ser moradora de uma casa na esquina próxima. “Você é exatamente igual ao meu filho que morreu vinte anos atrás”, contou-me emocionada. E começou a chorar ali na nossa frente, no meio da rua.
 
Até mesmo o eletricista parou com o serviço a fim de apreciar a cena. Ainda sem reação, ouvi aquela senhora completar: “Ele era igualzinho a você... O mesmo jeito de vestir, o mesmo modo de deixar a barba, a mesma altura!”. Pegando em suas mãos, procurei acalmá-la e perguntei o nome de seu falecido filho. Era Ercílio e eu disse a ela: “Dona Tereza, vamos rezar por ele então, certo? Não fique assim... Vamos rezar”. A senhora pediu desculpas, olhou-me novamente com o mesmo jeito de espanto e foi-se embora.
 
Olhei para a cara do eletricista, que confessou ter ficado arrepiado. Se ele ficou, imaginem eu mesmo! A situação foi estranha, mas causou-me comoção. Pude perceber uma parcela da dor daquela mãe. Mesmo assim, fiquei intrigado. Após o conserto do automóvel, fui até a padaria da esquina. Lá dentro, encontrei a proprietária, uma conhecida minha.
 
Perguntei à comerciante se conhecia Dona Tereza, moradora da esquina próxima. Quis saber se ela “batia bem dos pinos” e pedi que não estranhasse a minha pergunta. A interlocutora afirmou que a conhecia sim. Que a mulher já era idosa, mas que tinha a cabeça boa. Contei-lhe então o que havia acontecido e ela espantou-se também.
 
Por sua vez chamou sua mãe, que conhecia Dona Tereza há mais tempo. A outra senhora confirmou tudo. Dona Tereza realmente tinha um filho chamado Ercílio. Ele sofria de epilepsia e certa vez, tendo um ataque epiléptico, bateu a cabeça no chão do banheiro e veio a falecer. Todos ficamos espantados com um fato aparentemente banal.
 
O que Deus queria me ensinar? Qual a lição a ser aprendida? Seria uma coincidência ou uma mensagem? Refletindo durante o dia, realmente o episódio serviu-me como ponto de partida para vários pensamentos. Sobre como podemos ser retirados abruptamente de nossas existências. Sobre como as pessoas sofrem anos a fio pela falta de entes queridos que já faleceram. Sobre como cada ser humano é tão diferente e ao mesmo tempo somos tão parecidos uns com os outros.
 
Foi inevitável que, na próxima missa da qual participei, me lembrasse do jovem Ercílio. Alguém que nem cheguei a conhecer e que faleceu quando eu vivia ainda o auge da minha própria infância. Uma pessoa que partiu devido a um problema de saúde e que, mesmo depois de duas décadas, ainda era a causa de uma saudade imensa no coração de mãe de uma humilde senhora.
 
Sem perceber, fiz uma promessa a Dona Tereza quando disse: “Vamos rezar por ele...”. E foi o que realmente fiz. Se foi um pedido indireto de oração, permitido por Deus, cumprido está. Rezei pelo Ercílio que eu não conheci. Quem sabe um dia, quando eu mesmo chegar à morada eterna, ele venha se apresentar pessoalmente...
 
Amém.
 
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