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Publicado: Segunda-feira, 26 de julho de 2004

O joio e o trigo

Uma das parábolas contadas por Cristo fala sobre o Reino de Deus. É a do joio e do trigo. Certo trabalhador saiu pelos campos semeando trigo. Como a terra era fértil, o trigo cresceu. Mas ao lado do trigo cresceu, também, o joio, erva daninha plantada pelo inimigo. Sendo as espigas de um e outro semelhantes, contrariando a vontade dos que desejavam cortá-lo, o senhor da seara optou por deixar crescerem, lado a lado, preferindo a sua separação no momento da colheita.

Não tendo entendido bem a estória, os Apóstolos disseram ao Mestre: “Explica-nos a parábola do joio no campo”. Pacientemente, o Senhor lhes disse: “O que semeia a boa semente é o Filho do Homem. O campo é o mundo. A boa semente são os filhos do Reino. O joio são os filhos do Maligno. O inimigo que semeia é o demônio. A colheita é o fim do mundo. Os ceifadores são os anjos. Como se recolhe o joio para jogá-lo ao fogo, assim será no fim do mundo. O Filho do Homem enviará os seus anjos que retirarão de seu Reino todos os escândalos, todos os que fazem o mal, lançando-os na fornalha ardente em que haverá choro e ranger de dentes. Então, no Reino do Pai os justos resplandecerão como o Sol. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça” (Mt 13, 36-46).

Poucas parábolas são tão expressivas e, ao mesmo tempo, tão atuais como essa. Na realidade, onde chegou o Reino de Deus, embora predomine o trigo há, também, o joio. Convivem, lado a lado, os bons e os maus. Artigos atrás, escrevi que o primeiro espaço do Reino de Deus é a Igreja. Há pessoas, famílias e instituições, além da Igreja, que também podem ser tidas como espaços do Reino de Deus. Não é tão difícil percebê-lo. Onde predominam o amor e a justiça, a misericórdia e o perdão, a verdade e a graça, aí chegou o Reino de Deus. Porém, sempre é possível e quase necessária a coexistência dos bons e dos maus.

A grande mídia leiga e, particularmente, a anticlerical, vem sistematicamente destacando lamentáveis fatos no seio da nossa Igreja. Embora sejam proporcionalmente poucos, há sacerdotes e multiplicam-se os fiéis cuja conduta, além de ser desabonadora dos mesmos, é escandalosa, prejudicando a imagem da própria Igreja. Ultimamente os casos mais freqüentes são os de pedofilia de clérigos e infidelidades conjugais. Há, não raro, os contra-testemunhos e pecados do orgulho, certo mercantilismo, resultantes de fraqueza ou malícia. São sempre lamentáveis, e os que os causam certamente responderão não somente a Deus mas, também, à justiça dos homens.

O Papa João Paulo II, caminhando para os seus 26 anos de fecundo pontificado, em diversas oportunidades, publicamente reconheceu os erros e pecados de filhos e filhas da Igreja nos vinte séculos de sua longa história. Constituída de homens e mulheres, pastoreada por seres humanos e não anjos, ao lado de tantas páginas de luz há, inegavelmente, algumas páginas de sombra nos dois milênios dos caminhos percorridos pela Igreja. Ainda que devendo, por justiça, ser situados em seu devido contexto histórico, é certo que houve alguns excessos cometidos nas Cruzadas dos séculos XI e XII, por certos tribunais da Inquisição entre os séculos XIV e XVIII. E, também, nos dias de hoje, nos Estados Unidos, no Brasil e, mais recentemente, em certo Seminário da Áustria. É o joio convivendo com o trigo até o dia da ceifa e separação final.

A grande mídia sempre esteve mais interessada no sensacionalismo dos escândalos de clérigos e leigos da Igreja, que em seus santos e santas, nos seus cerca de 40 milhões de mártires, na exemplar dedicação e zelo dos seus 4.600 bispos, 405 mil sacerdotes e aproximadamente 900 mil religiosas e religiosos, a absoluta maioria exemplarmente empenhada na proclamação do Evangelho, dos valores do Reino de Deus, à frente de uma infinidade de obras de alto sentido pastoral e social, caritativo, promocional e cultural. Os contra-testemunhos e pecados de tantos, ou de alguns, não podem ser justificados, embora tenham a sua explicação em seu devido contexto histórico, na prevalência do “homem velho”, carnal e pecador, sobre o “homem novo”, renovado e santificado pela força da graça divina.

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