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Publicado: Sábado, 31 de julho de 2010

O jeito era Jânio

O jeito era Jânio

Embate político é jogo de vida ou morte. Mas ao que tudo indica, no tempo em que o Jânio Quadros fazia campanha para Presidente a coisa era bem mais tranquila, pelo menos no quesito comes e bebes. O homem chegava ao raio-que-o-parta num fusca caindo aos pedaços, terno com calça pula-brejo e mordiscando pão amanhecido com banana nanica. Um pouco antes de descer do carro, um assessor providencialmente polvilhava-lhe uma caspa de araque nos ombros, deixando o ilustre autor de dicionário exalando a Zé-Povinho.

Este ritual diário – quando não várias vezes num só dia – devia ser enfadonho para o célebre proibidor de brigas de galo. Mas pelo menos era seguro, o script não variava. O sanduíche de banana que empunhava era o salvo-conduto do homem da vassourinha para livrar-se de banquetes de Clotildes, até porque deduzia-se estar com o bucho a meio reservatório.

Com o tempo, a acolhida aos futuros representantes do povo com leitões, bobós e cozidos foi se tornando praxe como forma de externar apoio às candidaturas. E ai daquele que não limpasse o prato: em remotos rincões eleitorais de Minas, repetir menos de três vezes a galinha ao molho pardo era desfeita a exigir reparação no cano da garrucha. Famoso tornou-se, em meados dos anos 50, o caso Edivair Belenzinho. Disposto a qualquer sacrifício por uma cadeira no Legislativo, foi habitar o campo santo antes do pleito, tamanho o desarranjo advindo num outubro de sol quente em Três Corações, onde passou por uma gincana de cuscuz, rosquinhas de nata e um bolo salgado com cinco generosas camadas de recheio muito, mas muito pra lá de suspeito.

Patês de salmonela disfarçados de maionese também têm a fama de conduzir candidatos à presença de Jesus antes da hora, resultado igualmente atribuído às empadas de pupunha densamente povoadas de coliformes. Políticos mais experimentados, em geral postulantes à reeleição, reservam boa parte de sua verba à contratação de provadores – pagos para degustar todo e qualquer acepipe de associação comercial antes que cheguem a suas virginais boquinhas, mais afeitas aos canapés de foie gras de Brasília.

Outros, menos endinheirados, põem em prática um velho truque armado com seus guarda-costas. Ao perceberem o poder letal de certas coxinhas ou bolas de rum, chamam o fiel escudeiro para um cochicho ao pé do ouvido. Este achega-se ao patrão já abrindo o bolso do paletó, para onde discretamente escorrega a sinistra iguaria, capaz de levar um SUS inteiro a óbito. Assim, o guarda-costas transforma-se em guarda-comida.

Já dos pasteis de feira e das vacas atoladas o escape é bem mais complicado. No caso dos pasteis, em função da luz do dia, das câmeras de TV muito próximas e pelo fato da outra mão já estar, via de regra, ocupada segurando o guri de alguém da distinta freguesia. A vaca atolada, por sua vez, permite pouca ou nenhuma portabilidade para que ganhe o lixo mais próximo, e o volume que toma no prato impossibilita qualquer manobra discreta que a faça desaparecer.

Possível saída honrosa é declarar-se de antemão vegetariano, ainda que não seja e se farte o candidato de filé com fritas após os comícios do dia. Mas o risco de verduras, legumes e frutas mal lavadas, oferecidos às baciadas pela vereança correligionária, não tornam esta alternativa muito recomendável. Certo estava o velho Jânio. Aos sanduíches de banana!

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