O espelho tem duas faces
Num dia meio indeciso quanto a qual seria a temperatura, resolvi dar este título à conversa de hoje e lembrei-me do filme que tem mais de 10 anos, com a Barbra Streisand, a Lauren Bacall (essa muito pouca gente MESMO conhece, mas era muito linda) e o Jeff Bridges. Como sempre nos filminhos, a mocinha feia, gorda e sem graça emagrece (no filme, vê-se a Barbra fazendo exercícios, dieta não! Falsidade ideológica legítima!) e depois conquista o gato. Apesar da mãe, que está lá para detonar sua auto-estima.
A melhor frase do filme, seja ela real ou só o que ficou na minha memória: a Lauren Bacall, quando a Barbra vai sair com o Jeff, fica indignada porque a filha vai sair sem maquilagem. Resposta imperdível da Barbra: de maquilagem continuo sendo eu, porém a cores.
No assunto filme, sempre se brinca com a tradução dos títulos de filmes do idioma original para o português. Pois cheguei a ficar irritada com um dos filmes do Oscar (dos quais assisti muitos durante o Carnaval). O nome do filme era “The fighter” – o lutador. O que fizeram no Brasil? “O Vencedor”. Admitamos que tira boa parte do suspense do final, porque....afinal já chegamos sabendo o resultado da luta final. Perdedora fui eu, que entrei um pouco tarde e consegui lugar sim, mas na segunda fila. Ninguém merece, tela grande e segunda fila. Oscar para quem passar ileso por essa experiência que deveria ser evitada. Duvido que alguém saia de lá sem dor.
Também vi um outro filme, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, “Em um mundo melhor”. Achei o filme muito tenso porém muito bom, mas fiquei feliz por ter pago meia entrada (porque tinha cartão do banco dono do c inema). Passei pelo menos meia sessão com os olhos cobertos para não ver o que poderia ter acontecido. Salvo engano, só uma vez aconteceu. À saída do cinema ouvi um comentário que achei apropriado: o título é enganoso, porque não se vê nada de muito melhor. A pessoa que estava com este comentarista discordou, mas eu me senti contemplada. O crítico que li ontem achou o filme previsível, esquemático, papa-prêmios (de fato, faturo Globo de Ouro & Oscar). O comentário final, porém, me mostrou que o crítico estava, possivelmente um tanto azedo no dia. Ele dizia que esperava ver um filme que tivesse alguma cena na África em que não passassem criancinhas risonhas correndo atrás de um jipe e gritando.
Criancinhas...outro dia li em algum lugar que atualmente não havia mais oportunidades de trabalho para crianças, como havia antigamente. De fato, entregador de garrafas de leite ou de pão fresco, ou de jornal diário, cortador de grama e que tais a ndam escassas. Mas esse autor falou ainda sobre a atividade de engraxate. Outro dia, voltando a pé de uma visita a uma mamãe que tinha acabado de dar à luz (meu orgulho, segunda filha, a primeira cesárea e a segunda normal, menor tempo de permanência, recuperação mais fácil...tudo segundo ela depois da volta à casa) assisti uma cena que de longe já me tinha interessado. Num ponto de taxi, cheio de carros e de motoristas, um estava sentado no banquinho do menino engraxate. Só não era daqueles antigos filmes americanos porque o homem não estava de chapéu e nem lia jornal. Já tinha gostado, claro. Mas quando passei achei muito curioso o fato de que o motorista estava dando uma bronca no menino, dizendo que antes de fazer não sei bem o que (meu know how é limitado) precisava acabar de passar graxa no sapato inteiro. O menino defendia a sua “técnica”, acaloradamente. Não sei se era uma intensa relação cliente-fornecedor ou se era exploração de menores, mas ce rtamente naquele ponto o menino tinha uma grande clientela.
Começando com o terreno da estética, descobri ou tomei tento para o fato de que as mulheres magras – principalmente as mais jovens – se cuidam muito, comem pouco e não de tudo. Eventualmente, em público comem um pouco mais. Eu tinha a visão paranóica de mundo de que “elas” podem tudo, só eu que não. Na casa de uma amiga onde sempre me senti da família eu imaginava que quando lá ia jantar fazia-se o de todo dia. Aí, serviam um aperitivo com um bom vinho e aquelas coisas calóricas como queijinhos e castanhas e amendoins. Descobri depois que no dia a dia de verdade no máximo o pai de família tomava um copito quando voltava do trabalho. Ao mesmo tempo, li hoje no jornal que uma modelo brasileira aspirante a top respondeu, a alguém que lhe disse estar ela muito magra, necessitando comer mais, que frente à fome que assola tantas partes do mundo ela se sentiria culpada de comer “mais”. Pelo menos ela não diz que come normalmente. O mais comum dessas meninas é dizer que comem bem, fazem yoga e malham pouco, a natureza que as faz assim. Anorexia? Imagine... Bulimia? Onde?
Tomei um taxi outro dia, com um motorista muito bem conservado, que me declarou já ter completado 62 anos. E ele começou a discutir moda, porque passaram por nós algumas pessoas vestindo roupas que transcendia sua compreensão (confesso que a minha também). Contou que tinha usado calças boca de sino, salto carrapeta e que tais. Acho impressionante o quanto as pessoas se dispõem a falar com complexos desconhecidos sobre sua vida passada, presente e até de seus planos. Talvez apenas porque achem que – exceto em filmes – dificilmente voltarão a ver essas pessoas. Ou porque a atividade de motorista de taxi pode ser extremamente s olitária, ou porque acham que faz parte da job description entreter o passageiro.
Outra pérola, mas essa mais antiga (em sala de visita de consultórios, esperando BASTANTE tempo às vezes, aproveito para ler bobagens, entre elas revistas velhas). Não lembro o autor, mas era uma crônica sobre cartões fidelidade. Independente do que fosse o objetivo do autor, guardei duas coisas realmente preciosas: 1) perguntaram a um cliente num supermercado se ele tinha cartão fidelidade, ele respondeu que se não era fiel nem a sua mulher, como podiam querer sua fidelidade a marcas de yogurte; 2) numa entrada de motel, vinha um cartaz no qual se lia que quanto mais fiel o cliente fosse mais ele poderia ganhar. Na porta de um motel ler uma apologia à fidelidade, achei demais.
Outra dessas coisas da vida vistas por dois lados foi o desfile das escolas de samba do Rio. Tenho um amigo mágico (ilusionista? – não sei qual é o termo mais chique, não sei se um é sinônimo do outro e nem o que esse meu amigo é) que ficou acordado até tarde no dia do desfile para ver passar a Unidos da Tijuca, porque ele tinha ouvido dizer que na Comissão de frente haveria um truque. Dito e feito, consta que houve uma arte de altíssima qualidade quando todos (ou muitos?) apareciam com as cabeças decepadas, uma coisa muito demoníaca. Sobre esse mesmo evento li que o Rei, homenageado pela Beija Flor e que tinha seu próprio camarote na Sapucaí, mandou desligar as televisões quando passou esse desfile, por causa das suas crenças. Certamente, nenhum dos dois está errado!
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