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Publicado: Sábado, 21 de setembro de 2019

O doce sabor das flores roubadas

O doce sabor das flores roubadas
Agapanto

 

JÁ NÃO ANDAVA MUITO BOA DA CABEÇA, quando subia o ladeirão da casa onde morava com o marido e os filhos, para visitar a mãe. Segundo diziam os parentes e vizinhos, sofria de "atordoamento", o que lhe deixava as ideias meio atrapalhadas.

Os pais viviam numa chácara no coração da pequena cidade do interior paulista, no tempo em que os comércios ainda não haviam expulsado os antigos moradores, e que a praça principal era palco de paquera aos domingos – o “footing”.

Ela suava em bicas e subia a rua devagar, arfando sob o peso dos mais de cem quilos.

- Que sacrifício! – Pensava, no esforço de cada passo - descompassado do olhar rápido com que examinava e marcava os jardins das casas, ofertados sem grades ou muros.

A visita se repetia duas ou três vezes por semana. Tímida, ela empurrava o portão apenas encostado e entrava em silêncio. Na sala, sentava-se na frente da mãe, quase muda e cabisbaixa.

- E os minino, Luíza?

- Tão bem...

Silêncio.

- E ocê? Tá tudo bem?

- Tá...

Silêncio.

Dado um tempo Luíza partia. Os passos já não eram tão lentos. O olhar ávido perscrutava os jardins alheios mentalmente assinalados – oferta permanente dos “presentes” que levaria para casa.

Virava de um lado e de outro, para ver se alguém a observava. Com uma rapidez improvável, se abaixava para colher com mãos experientes as mudas que, replantadas, enfeitavam a sua vida.

As favoritas eram as de “batatinha” – Caládio de folhas grandes, pintado de verde e vermelho; Gloxínia alaranjada; Narciso amarelo; Agapanto com florinhas brancas ou azuis...

Não lhes conhecia os nomes, apenas a beleza que subtraía, sem que lhe fizessem conta os moradores.  E lá ia ela feliz com as pencas nas mãos. Na alma, o doce sabor das flores roubadas.

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