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Publicado: Quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O dia não pode acabar

Crédito: Domínio Público O dia não pode acabar

OUVI RECENTEMENTE A FRASE acima, num churrasco regado a muita cerveja – que chamava mais cerveja - numa quantidade pantagruélica.

Foi dita a propósito da felicidade que sentiam os participantes de estarem ali, e desejarem nunca mais ir embora. Felicidade alcoólica, ao preço de várias caixas da bebida – que evolou rapidamente com os últimos goles.

Vivemos insatisfeitos, atingidos por uma doença coletiva: sempre falta alguma coisa para sermos felizes.

A doença contemporânea também se revela no desejo de adquirir bens – não exatamente necessários – um novo aparelho para substituir o “velho” de um ou dois anos, peças de vestuário da nova estação, e até no uso compulsivo das redes sociais e dos smartphones, que dão a ilusão da companhia perene que impede a solidão. Queremos ser felizes a qualquer preço e juros, mesmo que sejam os do cartão de crédito e das contas que não fecham.

Temos uma visão distorcida da realidade, acreditando que ela é sólida e imutável. Negamos a impermanência e a transitoriedade da vida. Tudo muda. As árvores, as pessoas, as poderosas civilizações antigas, as nossas casas, monumentos, as montanhas, a água e o próprio planeta. No devido tempo, tudo se transforma em pó ou em outra coisa, e essas transformações já são fonte de sofrimento.

 A felicidade é um estado mental conquistado, como qualquer outra habilidade adquirida – como andar e falar. É profunda e duradoura porque se fundamenta na paz e na liberdade interiores, exercitada e obtida por meio do autoconhecimento e da contínua prática da compaixão.

Se examinarmos cuidadosamente a nossa mente, procurando compreender o que é a realidade, o mundo, a vida e o que nós mesmos somos, encontraremos um caminho para a felicidade, que não se limita as sensações agradáveis, a alguns prazeres, emoções ou estados de ânimo passageiros.

Se aceitarmos com leveza a impermanência, em vez de perdermos o mundo e mergulharmos em depressão, devido à impossibilidade de preservar o que está destinado a mudar, sentiremos o verdadeiro gosto da felicidade.

A felicidade está aqui mesmo, no presente - nem no passado, nem no futuro, nem em qualquer outro lugar. Sim, o dia acaba. Pertencemos a uma raça à qual é concedido apenas um dia de cada vez. Nele haverá nascimentos e mortes – dos desejos, sonhos, pessoas e amores – para que possam nascer muitas outras vezes.

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