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Publicado: Quarta-feira, 6 de abril de 2005

O Calvário do Papa

Foi com pesar que todos acompanhamos esta semana o fato inegável que, lentamente, o “atleta de Deus” veio perdendo as próprias forças. Quando foi eleito em 16 de outubro de 1978, impressionava por seu vigor. Incansável, ele viajou por todo o mundo. Nos últimos dias já nem podia falar, mas foi entre os Papas talvez o que melhor se comunicou com todos. Ninguém como ele, em toda a história do cristianismo anunciou, pela palavra, exemplos de vida e devotamento ao Evangelho, os valores humanos e cristãos. Foram 103 viagens apostólicas que praticamente o levaram ao encontro pessoal com todos os povos. Só não chegou à Rússia e à China porque os Patriarcas de Moscou e as lideranças comunistas de Pequim lhe fecharam todas as portas.

Dia 13 de maio de 1981 o terrorista turco Ali Agka acertou, quase mortalmente, a sua branca e vigorosa pessoa na Praça de São Pedro. Salvou-o o gesto de inclinar-se para devolver à própria mãe uma criança que acabara de erguer, abraçar e abençoar. Foi a Portugal agradecer a miraculosa intervenção de Nossa Senhora, a Virgem de Fátima. Depositou na coroa de sua imagem uma das balas que por pouco não atingiu seu coração. Foi nesse dia que começou o seu calvário. Na Policlínica Gemelli de Roma, integrada na Universidade do Sagrado Coração, de Milão, Deus e os médicos o salvaram. Mas adquiriu um vírus que o debilitaria para sempre. Depois houve a queda e a fratura da ponta do fêmur que dificultaria os seus passos. Em seguida, o mal de Parkinson limitaria os movimentos de sua face e a sua palavra.

Jamais perdeu a lucidez e prosseguiu pastoreando com mão firme a barca de Pedro. Todos, de Mikail Gorbachev a Lech Wallesa, de M. Politi a K. Bernstein, estes últimos jornalistas de renome e autores de uma das melhores biografias do Papa, o têm como um dos grandes, senão o maior dos personagens do século XX. Sem ele não teria desmoronado o império soviético. Não teria sido derrubado o Muro de Berlim. Ainda hoje estaríamos em plena e ameaçadora “Guerra Fria” entre o Ocidente e a ex-União Soviética, os seus satélites da Europa Oriental e a China continental.

Depois de 1978, quando foi eleito sucessor de João Paulo I, a Igreja saltou de 700 milhões para um bilhão e cem milhões de católicos. Nenhum Papa teve a autoridade moral e a ampla audiência de João Paulo II. Cerceou com pulso forte os excessos de certa Teologia da Libertação. Trouxe os presbíteros e os fiéis da Igreja à grande disciplina de que era carente depois do Concílio Vaticano II. Os seus escritos — encíclicas e exortações apostólicas, mensagens e alocuções — deram eco, em todo o mundo, à verdade de Jesus Cristo e da Igreja. Ninguém como João Paulo II proclamou tão alto a dignidade de todos, os direitos e valores humanos, entre eles os da vida e da família, da justiça, da fraternidade e da paz. Mais que João XXIII e Paulo VI, valorizou e promoveu o ecumenismo e o diálogo religioso com cristãos e judeus, muçulmanos e budistas

Desculpe o leitor a referência ao meu livro “Do Fundador a João Paulo II”, editado em 2001. Nele dedico ao pontificado do atual Papa um longo capítulo tratando, especialmente, do que lhe deve a Igreja no Brasil: as suas três históricas visitas nos anos de 1980, 1993 e 1997, o desmembramento mais que necessário e oportuno da grande Arquidiocese de São Paulo em três outras Dioceses em 1989, a eleição de cerca de 350 dos nossos 420 Arcebispos e Bispos mudando, significativamente, o perfil do episcopado brasileiro de “político” para pastoral, o silêncio imposto ao ex-franciscano e teólogo Leonardo Boff, a relativização e cerceamento da influência da Teologia da Libertação de corte marxista e revolucionário. A médio prazo seremos, ainda mais, uma Igreja marcadamente fiel à própria missão evangelizadora.Nestes últimos meses João Paulo II subiu o seu calvário. Abraçado à sua cruz com uma fortaleza que edifica a todos, católicos e não-católicos, crentes e descrentes, Karol Wojtyla seguiu adiante até o fim do seu 27o ano de fecundo pontificado. Viveu santamente a sua sexta-feira, que antecipou o seu domingo de Páscoa. Sua pessoa, vida e pastoreio lhe merecem não uma página, mas um dos mais belos e densos capítulos da bimilenar história da Igreja. Está ele, certamente, entre os maiores dos 264 sucessores do Apóstolo Pedro.

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