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Publicado: Sábado, 17 de maio de 2014

O bárbaro comércio da mercadoria humana em S Paulo

O bárbaro comércio da mercadoria humana em S Paulo
Abrahan Lincoln - Abolicionista

O BÁRBARO COMÉRCIO DE MERCADORIA HUMANA NA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO.

Estamos em 1881 e vamos analisar o bárbaro comércio de escravos que ocorreu em São Paulo, até hoje o mais rico Estado da União.


O relato é baseado no artigo científico do Prof. Dr. da USP José Flávio Motta, disponível na rede mundial.


O riquíssimo trabalho de pesquisa do Dr. Motta cobre o período de 1881 até 1887, e limita-se as cidades de Areias, Piracicaba e Casa Branca, região de alta produção cafeeira nos anos de 1880.


Duros tempos aqueles. Estávamos no ocaso da abolição da escravatura que viria em 1888 com a Lei Áurea: o imposto cobrado pela Província para entrada de escravos tornou-se exorbitante desde 1881 (no Rio 1:500$, em Minas 2:000$, em São Paulo dois contos) e a Lei dos Sexagenários, implantada em 1885, impunha a libertação dos escravos idosos.


Nesta rápida viagem pela história recente de nosso Estado, vamos tentar entender quem eram os contratantes e quem eram os cativos escravizados.


Como é sabido, a pressão das forças abolicionistas desempenhou importante papel para o fim do escravagismo no Brasil, aliada a expansão da cafeicultura para o Oeste paulista além do movimento imigratório. O comércio de escravos, entretanto, continuou apesar da carência das “mercadorias”.


Registros mostram que entre 1881 e 1887, centenas de escrituras foram lavradas, de escravos que mudaram de mãos. Assim é que Emília Costa V. da Silva, conta em seu livro: “Ainda há quem compre escravos até as vésperas da Abolição. O Diário Popular de 7 de fevereiro de 1887 noticiava que o cidadão José Leonardo, de Dois Córregos, comprara cerca de 34 escravos, transportando-os num bonde especial, o que provocava espanto por onde passavam, por serem raras essas cenas. Admirava-se o articulista de que houvesse ainda quem empregasse capital na compra de seus semelhantes!”


Ricas informações sobre essas transações nos anos finais do escravagismo brasileiro como preços, identificação de compradores e vendedores, nome, sexo, cor, ofício ou profissão, estado, idade e naturalidade do escravo estão disponíveis nos registros cartoriais, pois a legislação Imperial exigia desde 1860 o lançamento em livro específico dessas negociações de escravos, cujo valor fosse superior a 200$000 (duzentos mil-réis).


Esses registros mostram que nos anos de 1880, foram realizados nas três cidades comtempladas nesse estudo, 298 escrituras, mediante as quais foram negociados 701 escravos. A população de escravos matriculada nas tres cidades até março de 1887 era de 7.560 escravos.


Dos 701 escravos negociados nesse período, 623 foram vendidos, 45 foram objeto de dação in solutum (doação em pagamento de dívidas), 24 penhorados, oito trocados e dois doados. Quanto ao sexo, houve uma supremacia de homens a base de 60% e igualmente 50% tinham entre 15 e 29 anos. Quanto as origens dos escravos negociados, a maioria (70%), era da própria Província, uma vez que o tributo que nos referimos no início do texto era cobrado apenas de escravos oriundos de outras Províncias.


Evidencia-se nos registros dos cativos negociados a amplitude dos deslocamentos pela Província e até pelo país aos quais os escravos eram submetidos em razão das frequentes negociações, além da existência de um escravo pardo. Segue a descrição do registro da transação do escravo Gregório: “Esse homem, solteiro, pardo, do serviço da lavoura, foi vendido aos 6 de novembro de 1884, com 32 anos de idade, por Antônio Olinto de Carvalho para José Joaquim da Silva. A escritura referente a esse negócio no valor de Rs. 600$000 foi registrada em Areias, local de moradia do comprador. Antônio Olinto, por sua vez, residia em Silveiras, também no Vale do Paraíba paulista. Natural do Maranhão, Gregório fora matriculado naquela província no município de Alcântara. Antes de sua venda para Areias, porem, houve duas averbações em sua matrícula: a primeira em Vassouras, no Rio de Janeiro e a segunda, já em território paulista, em Silveiras.


Observa-se ainda nos registros uma expressão recorrente nas documentações que é “cativo com defeitos”.


Os preços dos cativos variavam, provavelmente para cima, quando se tratava de mulheres acompanhadas de “filhos ingênuos”. É possível que apesar da Lei do Ventre Livre, o valor da criança era agregado ao da escrava. Assim sugere a descrição da escritura de compra da escrava Constança. Sugere também a ação de negociadores de escravos que obtinham lucro rápido e fácil com a compra e venda de escravos. Eis o registro: “Eduardo Paula Carvalho, morador em Piracicaba, comprou aos 2 de junho de 1885 a escrava Constança por Rs. 500$000. A moça de 24 anos, negra, solteira e natural da província do Piauí, foi por ele vendida cerca de um mês depois, aos 4 de junho por Rs. 600$000”. Ambas as transações foram realizadas na mesma localidade e a única informação acrescida na segunda escritura é que “Luiza, filha ingênua de Constança acompanhava sua mãe”. Constava da escritura nesses casos, que o vendedor transferia ao comprador o direito sobre os serviços dos ingênuos.


A humilhação parecia não ter fim. A Lei Saraiva-Cotegipe de 1885 veio para tabelar o preço dos escravos, limitando, por exemplo, a Rs. 900$000 o valor a ser pago por um escravo menor de 30 anos. No caso de ser escravo do sexo feminino o valor deveria ser reduzido em 25%. Existe registro de escrituras de 1886, onde o cativo é órfão. Nesse caso, era representado por um tutor e a autorização para o negócio era dada pelo Juiz de Órfãos, nela constava o valor máximo a ser pago pela criança.


Fonte principal: Derradeiras transações. O comércio de escravos nos anos de 1880 (Areias, Piracicaba e Casa Branca, Província de São Paulo) José Flávio Motta
Disponível em; file:///C:/Users/user/Downloads/Derradeiras%20transa%C3%A7%C3%B5es-%20o%20com%C3%A9rcio%20de%20escravos%20nos%20anos%20de%201880%20(Areias,%20Piracicaba%20e%20Casa%20Branca,%20prov%C3%ADncia%20de%20S%C3%A3o%20Paulo)%20(1).pdf
 

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