Colunistas

Publicado: Sábado, 23 de fevereiro de 2019

Nuvem Carregada

Nuvem Carregada
 
 
Parece inacreditável, narrando o fato após acontecido, que a tal da nuvem pudesse se tornar tão grande a ponto de ser vista de qualquer lugar do mundo. 
 
Testemunhas, da Indonésia ao Alasca, atestando juízo perfeito - mão sobre a Bíblia, voz firme perante o meritíssimo, juraram ter sido atingidas por megapixels cadentes, maiores que meteoros. Em questão de minutos a nuvem foi ficando cinza, depois chumbo, depois negra. Vergando à própria imensidão, não se sustentava mais lá em cima nas condições normais de temperatura e pressão atmosférica.
 
Com trilhões de hectares e peso sem estimativa confiável, a coisa foi cedendo e se abrindo em trincas que mais pareciam as fendas do Grand Canyon. E desses inchaços rompidos caíam, de volta para a humanidade, tudo o que ela mesma foi enviando irresponsavelmente lá pra cima, como se a nuvem fosse uma tulha ou almoxarifado que triplicasse de tamanho a cada meia hora. 
 
Recibos de contas de água e protocolos de exames de tireoide se misturavam a terabytes de acervos digitalizados da Biblioteca de Washington, nudes com receitas de tortas de pupunha, registros de rastreamento de pedidos da Amazon em redemoinho com playlists, cálculos estruturais de viadutos e podcasts em javanês.
 
Era a explosão, prevista por alguns e improvável para quase todos. Agora, não havia o que fazer nem tempo para lamentar. Restava catar o que caía e talvez redigitalizar, formando nova e, quem sabe, mais segura nuvem. Mesmo porque não havia mais lugar, em terra, para guardar tudo aquilo.
 
 
Imagem: https://www.kisspng.com/
© Direitos Reservados
Comentários