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Publicado: Segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Numa noite de ano bom

Trinta e um de Dezembro. Ainda faltava muito para a meia noite e a cidade já comemorava. Rojões aqui e ali antecediam a grande queima da passagem. Musica e gente, muita gente por todo lado como se de uma hora para outra a população tivesse dobrado ou triplicado.

Cecília estava só. Há muito tempo que era só. Já estava até acostumada, mas as festas de fim de ano têm o dom de despertar velhas emoções revolvendo o fundo de nossa memória e trazendo a tona os mais recônditos sentimentos, acordando as mais inoportunas lembranças.

Detestava as festas de fim de ano. Achava uma bobagem tantos cumprimentos, tanta comemoração por nada. As grandes famílias reunidas, a troca de presentes, as compras desnecessárias. Quanta besteira!

Que grande coisa acabar um ano e começar outro! Com festa ou sem festa a coisa acontece..

Desde muito jovem, alimentara o sonho da maioria das mulheres. Casar-se com alguém muito especial, numa igreja, com um lindo vestido de noiva.

Com doze anos arranjou seu primeiro namorado, o Rubinho.

A mãe ralhou com ela:

- Você é muito criança ainda. Não está no tempo de namorar.

O namoro durou pouco, não por causa da oposição da mãe, mas porque o Cirilo quis namorá-la e ela achou que ele era mais interessante do que o outro.

Com Cirilo também acabou logo porque ele deixou-a para namorar a Cybele.

Ela não ligou muito. Passou a namorar o Armando e, tudo bem!

Assim passaram-se os dias de sua adolescência, namorando uns e outros sem fixar-se em nenhum.

Formou-se professora. Foi lecionar em uma fazenda. Começou a namorar o Carlos, filho do fazendeiro.

Foi o seu primeiro grande amor, mas os pais dele não aprovaram o namoro.

Naquele tempo não era comum, nem bem visto, mulher trabalhar fora. A única profissão aceitável era essa, professora, mas no interior elas eram, ainda, muito discriminadas por viverem longe da família, viajarem sozinhas, etc.

Quem casava com professora era ridicularizado, chamado de chupim e todo mundo achava que se casara por interesse no seu salário.

Não! Ela não servia para o Carlos.

Ele prometeu que se casaria , mesmo contra a vontade da família, mas quando ela voltou das férias, no ano seguinte ele já estava namorando outra.

Refeita da desilusão, namorou o André, um colega.

O namoro arrastou-se por alguns anos, ele sempre adiando uma decisão até que um dia brigaram e terminaram tudo.

Ela esperava que se reconciliassem, mas isso não aconteceu.

Com o passar do tempo foi ficando cada vez mais difícil encontrar homens solteiros de sua faixa etária. Todos que conhecia eram casados, separados, desquitados e tudo que queriam era uma amizade colorida. No máximo um casamento civil. Não podiam oferecer o casamento na igreja com o vestido de noiva com o qual ela continuava sonhando.

Cecília começava a envelhecer. Os primeiros cabelos brancos foram cuidadosamente pintados e a cirurgia plástica atenuou-lhe as marcas da idade, mas o tempo passava inclemente e ela não podia fugir à evidência de que já não era uma jovenzinha.

Começou a namorar o Jaime.

Tudo ia muito bem. Estava apaixonada e ele também parecia disposto ao casamento.

Ela sabia que ele era mais novo e evitava o assunto, mas, um dia ele teria que saber e ela achou melhor contar logo.

Era o dia de seu aniversário e ela perguntou brincalhona:

- Que idade você acha que eu tenho?

Ele arriscou:

- Trinta

- Errou por quinze!

- Não é possível!

- É isso aí!

- Não acredito! Dez mais do que eu? Você aparenta muito menos!

Não demonstrou dar maior importância ao assunto, mas a partir desse dia o namoro foi esfriando até gelar e derreter.

Cecília desistiu de uma vez de pensar em casamento.

Ficaria só, o resto de sua vida. Procurou preencher os seus dias com os alunos, os colegas, os amigos. Viajava muito, tinha seus hobys e era relativamente feliz.

Mas naquela noite festiva todas as decepções pareciam tomar corpo e vir assombrá-la.

Todos os amigos tinham uma família com quem comemorar e ela, embora tivesse recebido alguns convites de amigos e parentes distantes, preferiu ficar só a participar de uma festa que sentia não ser sua.

Resmungou:

- Detesto essas festas! Que bobagem! Tanto trabalho e desperdício pra que? Não vejo a hora de acabar tudo isso e a gente começar o novo ano em paz!
O telefone tocou.

Devia ser alguém para dizer aquelas repetidas palavras que, para ela, pareciam não ter mais sentido:... Felicidades... Saúde... Paz...

Não queria atender, mas o toque insistente a incomodava.

- Devia ter deixado o telefone desligado!

Pensou:

- Mas que falta de consideração a minha. Se alguém se lembrou de ligar merece pelo menos que eu atenda e seja gentil com ela. Vamos ao sacrifício!

- Alô!

- Cecília!

- Marcelo!

Marcelo fora casado com Júlia e Cecília era muito amiga do casal.

Julia morrera há dois anos.

Cecília estivera ao lado dos dois durante todo o tempo de sua enfermidade. Acompanhara todo o sofrimento deles até o desenlace.

Depois disso, encontrou-se com ele, algumas vezes, por acaso. Conversaram rapidamente, mas ele sempre lhe telefonava nas datas especiais.

- Oh! Marcelo! Que bom que você ligou!

- Queria convidá-la para vir tomar um champanhe comigo, aqui em casa, na virada do ano.

Perturbou-se um pouco. Era uma pessoa conservadora e a idéia de ir tomar champanhe com um homem só, em seu próprio apartamento não lhe pareceu adequada, mesmo em se tratando de um velho amigo feito o Marcelo.

Hesitou:

- Não sei... talvez seja melhor você vir aqui ....

- Pensando bem, acho que o melhor mesmo é irmos fazer esse brinde lá no clube. A gente pode participar da ceia e depois dançar um pouco. Que tal?

- Eu acho ótimo!

- Então pode me esperar. Estarei ai em meia hora.

Às doze badaladas, rojões subiram aumentando mais a luminosidade da noite estrelada. Tilintaram as taças, trocaram-se abraços. O Mundo todo parecia vibrar enquanto um novo ano surgia cheio de esperanças!

Depois, os dois, foram para o terraço deserto a essa hora e ficaram conversando, trocando idéias.

Era inegável que algo mais do que uma amizade estava surgindo entre eles.

Emocionada Cecília f

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