Colunistas

Publicado: Quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

Notícia Triste

Recebi uma notícia profundamente triste. E isso me fez sentir novamente a transitoriedade da vida. Uma amiga da minha filha deixou esse mundo de repente. Mesmo feliz e sorrindo, ela se foi. No Natal, como um anjo.

Uma notícia como esta causa um verdadeiro impacto em todas as pessoas, próximas ou distantes. Como compreender tamanha dor? Como aceitar a vida como ela é, sem rancor ou sentimento de injustiça?

Sentada na minha perplexidade, fiquei pensando o que poderia fazer para aliviar a dor dessa mãe, que certamente arde mais do que posso suspeitar. Fiquei imaginando como contar para meus filhos, que explicação dar sobre o inexplicável. E o silêncio se apoderou do meu ser, como a calada da noite que simplesmente chega e se encosta sem dizer porque chegou. No profundo silêncio da minha tristeza, percebi que as coisas mais misteriosas da vida realmente não têm explicação. Não sabemos verdadeiramente nada sobre o milagre do nascimento ou sobre os caminhos da morte. Nem ao menos sabemos por que o céu é tão azul ou por que o olho da gente ganha um brilho diferente quando o amor bate à nossa porta. Como explicar a coragem e a força que brota da dor? Como explicar os porquês das alegrias e das tristezas pelas quais passamos aqui na Terra?

Sim, eu sei que a ciência e a medicina procuram explicar tudo. Mas não me refiro a esse tipo de resposta e sim a algo que mora no profundo mistério que habita nossas almas. Chego à conclusão que as coisas mais importantes da nossa existência não têm a menor explicação. Tudo o que sabemos explicar são pedaços insignificantes, enquanto que as verdadeiras riquezas que animam o nosso ser vêm do desconhecido. Não sabemos porque nascemos em determinada família, país ou época. Não sabemos por que temos filhos desse ou daquele jeito, qual a sofisticada equação que nos leva a encontrar as pessoas importantes da nossa vida, a mágica que determina as nossas escolhas. Enfim, não sabemos nada. O mistério é um buraco negro e muitas vezes assustador. Ele não faz o sol apagar porque um coração de mãe está despedaçado. Pelo contrário, ele insiste em fazer o sol amanhecer e brilhar. Por quê? A vida deveria ficar congelada, como no filme da Bela Adormecida, em que as fadinhas adormecem o reino para ficar mais fácil de suportar a dor. Mas o Grande Mistério não faz isso. A terra não pára de girar, as estrelas continuam brilhando e o novo dia amanhece. Talvez seja para mostrar que a vida é passageira para todos nós, pequenas estrelas da terra. O universo e seus encantos são maiores do que nossa estadia nesse mundo. Trazemos a centelha divina em nossos corações para lembrarmos uns aos outros que somos seres espirituais tendo uma experiência humana na terra - e não o contrário. Estamos todos de passagem e por maior que seja o tempo do relógio, ele é insignificante diante do tempo do universo. Por esse motivo – e talvez apenas por esse motivo – viver tem que valer a pena. Arriscar-se a mergulhar nesse caminho de fé e esperança é talvez a única coisa que nos resta diante da interrogação que aponta para a nossa face. Aprender a nos alimentar da vida pelo que ela é e não pelo que poderia ser é o verdadeiro exercício da liberdade.

Não há palavras para acalmar essa dor e eu sou tão pequena diante dela. Continuo sem saber porque uma menina de 11 anos vai embora desse mundo, assim, tão sem sentido. Mas se eu pudesse dizer alguma coisa das profundezas do meu ser, a minha prece seria assim:

“Menina-anjo, eu sei que você está bem. Sua rápida passagem deixará exemplo de beleza tatuado em nossos corações. Mas faça com que o azul claro dos seus olhos transborde no coração de sua familia e amigos e vá lavando, lentamente e urgentemente, a dor de alma desse tempo sem fim. Deixe que o brilho dourado de seus cabelos traga a memória da luz divina, que nunca se apaga. E mande a sua luz para que a saudade seja amiga do tempo e para que um dia você possa brilhar a sua presença livremente. Mostre-nos o caminho para aceitar essa dor que não encontra lugar para morar. E que todos nós aprendamos a honrar a vida, em todas as suas formas, em todas as suas dimensões. Amém”.


Esta crônica foi publicada no Jornal Periscópio no dia 31 de dezembro, na seção ENCONTROS & ENCANTOS.

Comentários