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Publicado: Domingo, 1 de março de 2015

Na sessão de hemodiálise

Crédito: Caio Pimenta Na sessão de hemodiálise
Mão, escultura de Oscar Niemeyer

O cheiro era de canjica em casa de avós. Fechou os olhos e se lembrou de perder as vistas no horizonte enquanto mascava o côco no doce. Lembrou-se de seu irmão murmurando: "Não coma! É sopa de dentes". Agora esse tédio se vestia três vezes por semana a quatro horas por dia, e a memória das frequentes náuseas e vômitos tímidos que o levaram ao médico numa manhã nublada de um inverno mofado. Agora vencia a eritropoetina entrando em seu corpo. As sessões de hemodiálise retiravam substâncias indesejadas em excesso e, na volta, traziam sensações do estranho, como aquele exato momento em que viu entrar em sua primeira vez, tensa e pálida, Fátima, uma manicura loira de pernas grossas desejadas em todo o Jardim Tropical. Acalmá-la seria perfeito! Sentiu seu perfume por mais tempo que os habituais dois minutos na fila do açougue. Falou tanto que, depois sozinho em casa, irritou-se. Pensava em desculpas quando ouviu: "... Este número de telefone não existe". Hoje são casados e têm quatro filhos.

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