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Publicado: Domingo, 24 de junho de 2018

Museu da Música e os guardiões da história

Crédito: Domínio Público Museu da Música e os guardiões da história

“Em Itu, tem”. A frase, dita com despeito ou esperança por moradores de outras cidades da região, vai muito além de uma peça de vestuário ou artigo específico procurado. Passa pela música, religião, tradições culturais e modernidade, além da exuberante natureza e dos registros arqueológicos existentes.

Ouro Preto Paulista, Roma Brasileira ou Cidade dos Exageros, como a alcunhou o humorista Francisco Flaviano de Almeida, o Simplício, na década de 1960, Itu, em São Paulo, é tecida de fragmentos da história do País - da colônia à república. Fazendas de cana-de-açúcar e café, escravidão, imigração, ferrovia, industrialização e imponentes construções convivem com prédios modernos e condomínios luxuosos.

A cidade realiza alguns dos mais tradicionais eventos populares e religiosos do interior paulista, como a Festa do Divino, a Semana Santa e a procissão de Santa Rita, entre outros.

Não é por acaso que esse patrimônio permanece vivo no século 21. Muita gente trabalha para esse resultado. Desde o registro primoroso da história do cotidiano, feito pela revista Campo&Cidade, à bandeira santa que visita as casas – cuidadosamente conservada por devotos alferes - passando pelas marchinhas tocadas pelas bandas centenárias, pelos doces das antigas sinhás, à venda no comércio local e pelos museus, com suas programações dinâmicas.

Criado em dezembro de 2007, o Museu da Música - mantido pelo Instituto Cultural de Itu – detém o mérito de trazer para o presente, muito mais do que as composições perdidas ou inéditas de antigos ituanos. Muitas delas, integrantes dos ofícios religiosos realizados nos séculos 18, 19 e início do 20, como as obras do padre Jesuíno do Monte Carmelo, dos maestros Elias Álvares Lobo e Tristão Mariano da Costa.

A competência e a dedicação de Luís Roberto de Francisco - historiador, maestro e musicólogo - levaram ao resgate e valorização da música erudita e sacra ituana, juntamente com o voluntariado dos associados do Instituto Cultural de Itu, a curadora, Maria de Lourdes Sioli e o investimento dos parceiros.

Durante a Semana Santa, o “Ofício de Trevas”, recuperado em 2003 e cuja transcrição coube aos músicos Vinícius Gavioli e Luís Roberto de Francisco – é realizado na Matriz de Nossa Senhora do Carmo.

Na igreja parcialmente escurecida e durante uma hora e meia, os fiéis recitam salmos, antífonas, leituras e responsórios em latim, à luz de velas e incenso, da quinta-feira santa, lembrando a oração no Monte das Oliveiras, a prisão de Jesus e a traição de Judas, acompanhados por cantochão e canto gregoriano.

No altar, as imagens dos santos e o crucifixo são recobertos com um tecido preto. Catorze, das quinze velas dispostas num grande candelabro - que representam os apóstolos e as Marias que acompanharam a procissão - são apagadas ao longo da cerimônia. A 15ª permanece acesa, representando Jesus e a ressurreição.

Outras composições, conhecidas ou inéditas, foram ou estão em processo de recuperação, para serem apresentadas publicamente ou integradas aos seus ritos originais.

O Museu da Música também é responsável pela Eschola Cantorum. Conta com um importante acervo de fotos, gravações, documentos históricos e objetos que revelam a história de quatro séculos de atividade musical, promove concertos, conferências, ações educativas junto aos alunos das escolas, além da publicação de livros e cadernos sobre o acervo da música ituana. 

O trabalho de tantos traz ao olhar contemporâneo dos moradores e turistas, a possibilidade de contemplar, por uma fresta do tempo, as relações da comunidade com a sua própria cultura.

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