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Publicado: Sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Minha vida de gonzagueiro

Crédito: Marcelo Rayel Minha vida de gonzagueiro
Minha vida de gonzagueiro é um prazer e um sossego

 

Há quase 110 anos trás, um comerciante se tornou famoso por seu bar (uma espécie de quiosque onde hoje é o Posto 3) e pelas suas cabines para banhistas naquele que se tornaria o mais famoso balneário da cidade. Luís Antônio Gonzaga prosperou, virou mito, de tal maneira que acabou batizando o bairro que dali veio a surgir.

Naquela época tudo era mais tranquilo, bem mais lento. Só para se ter uma idéia, as praias de Santos eram o lugar preferido dos casais em lua-de-mel. Algo impensável nos dias de hoje, pelo que se tornou a cidade em si, a região da orla e o próprio bairro do Gonzaga.

Monteiro Lobato, por exemplo, é um dos felizardos que consumiu matrimônio de frente ao mar da baía de Santos. Em sua época, a vida era sossegada. O que é o centro histórico hoje era onde a cidade pulsava, onde as pessoas moravam e trabalhavam. Por exemplo, só se chegava à praia de bonde. A região da orla era cercada de verde, quase que coberta por uma vegetação nativa. Arrisco afirmar que a praia era um tanto no meio do mato. Famílias tradicionais da sociedade santista ocupavam a atual região da orla com suas enormes propriedades, extensões de terra consideráveis, chácaras, uma vida de gozo naqueles paraísos terrestres à beira-mar.

Veio o tal desenvolvimento e a cidade começou a se espalhar pelo resto da ilha até chegar à região da orla. As casa foram colocadas abaixo e prédios acima de 12, 13 andares começaram a ser construídos. A população começou a crescer e novos impreendimentos passaram a ser bem-vindos. Novas áreas, novas casas, novas residências. Um crescimento ordenado, há de se dizer, mas que avançava com certa ansiedade, a mesma ansiedade de uma criança sobre seu presente de Natal. Uma época em que Santos viveu seu frenesí.

Veio então o Gonzaga, com sua Praça Independência, posteriormente habitada pela estátua dos três irmãos Andradas. De cara, tornou-se residencial, mas sempre com a vocação para o entretenimento e o cosmopolitismo. Foi de Parque Balneário até o Avenida Palace. Hoje., mantém a singular arquitetura do Hotel Atlântico.

Banhos de mar e lazer. Aos poucos o Gonzaga cresceu, verticalizou-se, ganhou novos espaços como salas de teatro e cinema, muito cinema. A ponto do trecho da Av. Ana Costa, entre a praia e a Luiz de Farias, também ser chamado de Cinelândia. Studio Atlântico I e II, Iporangas I, II, III e IV, Indaiá, Indaiá-Arte, Alhambra... Todos desaparecidos. E o Roxy sobreviveu de porta para a rua porque seu proprietário expandiu os négocios para o Pátio Iporanga.

Um lugar de bons restaurantes, boa comida, agradável, um ponto -de-encontro da cidade. Apesar das brutais e nem sempre positivas transformações, o bairro conseguiu manter seu charme. Mesmo que o tal desenvolvimento tenha estragado um pouco a harmonia e a leveza que o bairro esbanjava nos anos 1960 e 1970, ainda é possível sentir que se vive o melhor da vida caminhando pelas suas ruas, habitando em suas lojas, cafés e livrarias.

Os intelectuais de hoje na cidade de Santos acabam, de uma forma ou de outra, baixando no Gonzaga. Os artistas por lá se encontram. Você pode escolher caminhar ao longo da praia e seus jardins ou não. A turma da leitura, dos livros e da escrita se encontra na Realejo. O Chopp Independência mata a sede, Ao Chopp do Gonzaga continua com o melhor espetão misto da minha vida e hoje tem café-da-manhã colonial na Romana.

Tendo assumido aulas e uma coordenadoria pedagógica em uma escola de inglês na Tolentino Figueiras, hoje vivo o lado nobre do Gonzaga. Da boa cerveja, da boa comida, das boas caminhadas, das amizades de papo e de intelecto, descobri que há coisas na vida que o dinheiro até ajuda, mas não compra.

Vivo nessa atmosfera quase encantadora que o Gonzaga possui. Em seus melhores restaurantes, bares, entre pessoas de todo tipo. É quase um país dentro de um bairro. Não é à toa que Santos é uma espécie de cidade-estado, uma cidade Conradiana.

Minha vida de gonzagueiro está assim: vivenciando a beleza dentro e fora das casas, das ruas e das pessoas. Ser gonzagueiro é descobrir que, independente do quanto você tem no bolso, a vida está aí, esperando por você para uma caminhada em direção à praia.

Vida de gonzagueiro é quase que luxuosa pela riqueza de seus encontros, seus lugares, suas jornadas. É difícil encontrar em Santos outro cenário que possibilite transformar um pequeno gesto em um grande evento.

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