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Publicado: Quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

Mercado Competitivo: o herói que vai virar bandido

Todos falam sobre a necessidade de se preparar para o mercado competitivo. É impressionante como esse “mantra” toma conta da vida das pessoas, ocupa lugar de destaque nas preocupações dos pais, das propagandas educacionais e da mídia geral. Programamos nossa mente para encarar essa dura realidade e a propagamos dia após dia, para filhos, colegas, alunos, empregados.
Outro dia parei pra pensar nisso e me assustei. O que quer dizer mercado competitivo exatamente? Quais significados, crenças e atitudes esta expressão carrega?
Mercado Competitivo me fala de como as pessoas são obrigadas a competir para ter o seu lugar no mundo. Me diz também que não há lugar para todos, porque se tivesse, não seria competitivo. É uma expressão que me soa agressiva, porque a vida passa a ser menos importante do que o mercado, como se ela fosse muito menor do que ele (mas não seria o contrário?).
Mercado Competitivo é aquele onde as pessoas têm que entrar se acotovelando, sentando primeiro na cadeira para não perder a vez. Parece aquela brincadeira que sempre sobra alguém e sai do jogo com cara de vergonha.
Eu morei mais de 30 anos em São Paulo, o palco do Mercado Competitivo. A gente vai se acostumando tão cedinho a viver nessa toada, que nem percebe mais. Compete pelo lugar no ônibus, pela fila no banco, pela vaga do estacionamento, pela cadeira do cinema, pela mesa do restaurante. O que diremos então do dinheiro no bolso, do leito no hospital, da vaga na faculdade? É assim, a gente vai crescendo e aprendendo a ser esperto e inteligente (dizem por aí), para conquistar o nosso lugar. E quando consegue, os adultos batem palmas. Celebram as caneladas no futebol, a nota mais alta da classe, o vestido mais bonito da festa e o carro mais caro da turma.
Aí eu paro e me pego pensando: será que quero ensinar os meus filhos a se prepararem para o mercado competitivo? Qual o preço desse aprendizado? Quantos eles terão que derrubar? O que dentro deles terá que morrer para eles conquistarem algo de valor? Afinal, o que tem realmente valor? Sim, eu sei que nessa altura do meu texto, alguns já estarão pensando: isso não existe, ela é sonhadora demais, esse mundo é uma utopia. Verdade! Talvez não exista mesmo. Mas qual a minha (ou nossa) responsabilidade para que ele possa existir um dia? Será que as mudanças acontecem assim, de um dia para outro, ou é como uma correnteza, que vai chegando de mansinho e tomando proporções cada vez maiores até alterar completamente o curso do caminho?
Há muitos anos eu tenho esse sentimento. E por incrível que pareça, o tempo só tem acentuado essa visão. Quanto mais vejo meus filhos crescendo nas suas alegrias e tristezas com as turmas de amigos e na escola, mais fortemente eu sinto a urgência dessa mudança. O famoso Mercado Competitivo, embora atual, é uma coisa completamente ultrapassada. Muitas lágrimas, decepções e violência ainda serão necessárias para que as pessoas enxerguem para onde estão caminhando. Chegará o tempo em que falar de Mercado Competitivo será tão velho como é hoje a propaganda de cigarro. Outro dia, para explicar à minha filha a mudança de paradigma, contei a ela como era “bacana” fumar. As propagandas de TV mais lindas eram de cigarro e os fumantes eram os reis do pedaço. Quem poderia imaginar, naquela época (e não faz tanto tempo assim), que um fumante teria que pedir permissão para fumar em um local público, ou que ficaria até constrangido ao fumar em um local fechado? Ninguém!!!
Tudo bem, ainda falta um tempo para o tal herói Mercado Competitivo virar bandido. Mas o tempo é mais curto do que você imagina. Apesar de muitos ainda não enxergarem, isso já está começando a acontecer. Pequenas “ilhas” começam a surgir, mostrando que o ser humano não vai longe ganhando notas e passando rasteiras. A dor é grande e a alma não perdoa.
Ser o melhor não supera a compaixão, ficar rico não preenche o vazio da existência, ter poder não une corações e ser famoso não impede a solidão.
E então?
Eu digo: pais, educadores e profissionais de toda ordem estão acordando para um novo amanhã, plantando hoje o que será colhido mais tarde. Essas minorias sabem o significado da conexão e estão saindo à procura de outras pessoas para unir talentos e ideais. São essas minorias que estão nadando contra a correnteza da grande massa, clamando por humanidade e brilho nos olhos.
Como mãe, eu quero preparar meus filhos para saberem acolher e abraçar, falar de seus temores, amarem incondicionalmente e nunca perder a fé. Quero que eles aprendam com alegria e curiosidade. Quero que tenham mais perguntas do que respostas e que saibam tirar proveito de cada lição, seja boa ou ruim. Quero que eles descubram os seus próprios sonhos e tenham coragem para segui-los. E quero que sejam bem menos preocupados do que eu em agradar a todos (porque isso é um péssimo hábito!). Quero que eles gostem de ser quem são, sem plásticas, máscaras ou escudos, para realizarem o desejo do coração. E ao darem vazão aos seus sonhos, certamente saberão acolher os sonhos dos outros, porque saberão que cada existência é sagrada.
Será que todas as mães querem isso para seus filhos? Não sei... mesmo querendo, é tão difícil colocar em prática! Mas eu continuo querendo. Apesar da força da mídia e de todo o entorno social que grita o contrário disso, ouso dizer que não desistirei jamais. Darei as mãos para as minorias, escreverei aos quatro ventos, buscarei corações apaixonados, celebrarei cada mínima conquista e plantarei muitas flores em meu jardim. E quem sabe um dia, ao acordar pela manhã, eu me surpreenda com a quantidade de cores, perfumes e sorrisos...

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