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Publicado: Segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Menos pronunciamentos, mais ação

Há alguns anos, li na revista “Trinta Dias” um artigo dedicado à multiplicidade dos documentos da Igreja. O articulista sugeria ao episcopado menos documentos. Era praticamente impossível ler todos, assimilando o que diziam e passando à ação. Logo chegavam outros documentos de maior ou menor importância, exigindo mais leituras e reflexões. E com isso a Igreja continuava perdendo terreno, especialmente na Europa!

De fato, levando-se em conta que se multiplicam os documentos e pronunciamentos dos 17 Regionais, da Presidência e das Assembléias Gerais da CNBB, aos quais vêm somar-se os do Conselho Episcopal Latino-Americano e os da Santa Sé, sobra pouco tempo para tantas leituras e menos ainda para a execução de boas idéias que freqüentemente contêm. Ainda bem que os Pastores de cada Diocese ou Arquidiocese escrevem hoje bem menos Cartas Pastorais e pronunciamentos doutrinários que em outros tempos.

Como se não bastassem os documentos oficiais chegam, semanalmente, pronunciamentos de Serviços, Pastorais, Associações e Movimentos eclesiais, sem contar as revistas e todos os tipos de periódicos, bem ou mal impressos. Cada qual julgando-se no direito de dizer a última palavra sobre os problemas do Brasil, do mundo e da Igreja.

Estou consciente da importância e mesmo da oportunidade de documentos alentados ou pronunciamentos mais leves. Os Pastores têm o dever de orientar suas ovelhas, apontando-lhes os melhores caminhos em meio às insinuações, calúnias e desorientação geral a que chegamos. É dever dos que pastoreiam proclamar o Evangelho e os valores do Reino de Deus, oportuna e inoportunamente, queiram ou não queiram ouvir, como aconselha o Apóstolo Paulo. O que vem me preocupando é que nem sempre temos tomado posição em questões de nossa estrita competência e atribuições, em que seria grave a nossa omissão. Há pronunciamentos que enfocam e orientam sobre questões do poder civil. Não raro nós aqui da base e os fiéis, ficamos constrangidos, sem poder pronunciar-nos com a liberdade que desejaríamos.

Para ser bem objetivo, o posicionamento que respeitosamente estou tomando, faço-o com a transparência que ninguém poderá negar-me em longos anos de um episcopado participante, totalmente dedicado aos direitos de Deus, da Igreja e dos homens. Pergunto se era importante e oportuno, por exemplo, o pronunciamento oficial da Igreja na questão do referendo de 23 de outubro, em que o eleitorado foi chamado a dizer “sim” ou “não” à venda de armas e munições.

Na linha da comunhão que devo aos meus irmãos no episcopado, fui a Jundiaí e votei no “sim”. Não foi fácil fazê-lo, nas atuais limitações de minha idade e saúde. Mas confesso que tinha algumas razões para optar pelo “não”. O direito à vida e à legítima defesa pesam de um lado e de outro. Lembro que já fui seqüestrado sob armas, sem esboçar qualquer reação, nunca tocando em qualquer tipo de arma.

Penso que nem sempre estamos dando a Deus o que é de Deus e a César o que é de César. Temos valores a defender até com a própria vida e isso nos dá o direito e o dever de profetizar. Mas temos de reconhecer que o Estado também tem suas competências em questões que envolvem a necessária promoção do bem comum. Em questões mistas como as que envolvem o casamento, por exemplo, os dois Poderes têm de se entender, prevalecendo o direito natural e a revelação divina.

Não ficou bem para nós a maioria do eleitorado votar o “não”. Como não ficará bem que o Governo venha a fazer a transposição do Rio São Francisco, beneficiando cerca de dez milhões de nordestinos. A idéia vem desde o Império e o problema é eminentemente técnico. No caso em questão, não foi bom o posicionamento público de apoio ao bispo em greve de fome, apesar da carta de advertência do Cardeal Giovanni Batista Ré, da Congregação para os Bispos, certamente redigida após consulta à Secretaria de Estado do Vaticano e ao próprio Papa. Sem dizer que repercutiu mal na opinião pública o desencontro de opiniões de bom número de bispos do Nordeste...

Haveria ainda outros exemplos. Quando os pronunciamentos oficiais se multiplicam, especialmente em questões que não sejam de nossa competência, acabam perdendo a própria força. São banalizados, senão pela comunidade católica, ao menos pela opinião pública em geral. Convenhamos estar a Igreja no Brasil, senão em toda a América, muito mais necessitada de ações que de pronunciamentos...

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