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Publicado: Segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Mater Dolorosa

Em casa os aniversários sempre foram dias especiais. O dia já amanhecia diferente, a expectativa pelo que viria nos fazia pular mais cedo da cama, para começar a gozar das prerrogativas de aniversariante por mais tempo.
        
O pai tinha o dom de transformar cada comemoração em uma data singular, inesquecível para cada um dos sete filhos.
        
Hoje, muitos anos depois e um longo tempo sem o pai, fico a pensar que todos nós, ituanos, poderíamos também ter esse mesmo carinho com a cidade, que está completando 397 anos.
        
Como filhos diletos de uma mãe por vezes severa, mas sempre justa e acolhedora, poderíamos estabelecer um pacto de amor e cuidado com esta altiva senhora.
        
Seria um bom presente de aniversário, que nada ficaria a dever aos recebidos em celebrações de outrora e que ainda ocupam lugar de honra em seu coração.
        
Que alegria para esta senhora vetusta deve ter sido ganhar uma igreja matriz tão rica, adornada com a melhor arte disponível, enriquecida ano a ano, com músicas feitas especialmente para ela, celebrada na Senhora das Candeias ou nas serestas pelas ruas noturnas, iluminadas por lua cheia.

Presentes de muitos convivas, uns ofertaram alfaias de prata, outros contrataram artistas e escultores, há ainda os que patrocinaram a viagem de imagens imensas através de caminhos sinuosos que cortaram a serra para chegar até aqui.

Os casarões, com suas fachadas elegantes também foram presentes muito apreciados, a tornaram mais bela e imponente, digna mesmo da riqueza que brotava de suas entranhas generosas.
        
Mãe extremosa, acolheu filhos naturais ou adotados com igual desvelo, sem se importar, como só as mães são capazes, com mal-criações ou mesmo algum caráter mais tíbio. A todos guiou nos primeiros passos, alimentou, educou e até repreendeu, quando necessário.

Entretanto, por longos anos tem sofrido calada o aviltante desprezo, o pouco caso e os maus bofes desses seus filhos egoístas.

Seus tesouros estão esquecidos, jogados pelos cantos, carcomidos pela voracidade do tempo e pelo descaso, quase irreconhecíveis em meio ao caos que se instalou por toda parte.
Pouco restou do patrimônio amealhado com tanto sacrifício, herança e testemunho de seus feitos históricos. Os casarões desfazem-se diariamente, para dar lugar a caixotes de concreto, sem a menor dor na consciência, as ruas e largos transformam-se em campo de batalha para gangues de crianças sem educação, que deixam as marcas de sua ignorância nas paredes, como feridas abertas em carne viva.   

A Matriz, bem coletivo, que transcende a forte religiosidade ituana, agoniza de chapéu na mão, implorando recursos para sua restauração. Clama no deserto, para surdos e cegos!

Talvez o “relógio de pulso” que foi instalado no coração da cidade, ao invés de marcar quanto tempo falta para o quarto centenário, ostente, minuto a minuto, quanto tempo (e quanta perda) ainda será preciso para que os filhos dessa mater dolorosa se levantem, finalmente, de seu berço esplendido.
 
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