Colunistas

Publicado: Domingo, 1 de maio de 2011

Mãe só tem uma e a publicidade acha muito

Mãe só tem uma e a publicidade acha muito
Estimular a violência não tem como ser algo bom

 “Se sua mãe odeia, você vai adorar!” é o titulo da publicidade sobre um videogame ultraviolento lançado nos EUA há pouco tempo e que, certamente, logo estará por aqui. Para a campanha de lançamento, várias mães foram filmadas assistindo ao game e manifestando suas opiniões, de horror, claro. Apesar da indicação para maiores de 17 anos, é de se perguntar qual a diversão de se pilotar tamanho banho de sangue, tal como mostram os trechos expostos na internet. Além disso, infelizmente, isso acaba funcionando como um chamariz para os de menor idade. É natural das crianças e adolescentes a curiosidade, o desejo de parecerem mais experientes, de serem aceitos em grupos de idade superior.

Tudo bem que a adolescência seja um período típico de contestações e que, por meio desse exercício, os jovens busquem se diferenciar perante os pais e afirmar sua identidade. Mesmo assim, são adolescentes e, portanto, ainda não se dão conta de que, para chegarem à posição de questionadores, foram antes educados, informados, alimentados, amados, cuidados e protegidos. Então, no caso em questão, é no mínimo contraditório uma mãe que foi capaz de se responsabilizar de forma tão séria pelos filhos ter sua opinião desfavorável a um game assumidamente violento tomada, de repente, como tola e, pior ainda, como indicativo de valor para o produto.

Os argumentos para comercializar a violência podem ser inteligentes, criativos, chocantes, o que for, mas certamente não são éticos. A expressão da agressividade é um processo que tem a ver com o momento e a necessidade de cada criança e implica em ser espontâneo. Tal agressividade está sendo expressada com a expectativa implícita de ser compreendida, nomeada e canalizada, mas jamais fomentada. Uma vez expressa, ela deve se deparar com os limites dados pela educação e com as alternativas que esta lhe proporciona para direcionar o impulso para atividades mais produtivas e civilizadas. Portanto, a oferta à criança de uma diversão que lhe sugere, de fora para dentro – e ainda mais por adultos -, o exercício virtual da crueldade não tem como contribuir para sua formação saudável.

Por focar primordialmente o lucro, a comunicação mercadológica reforça valores e hábitos inadequados. Um argumento comumente utilizado pelo meio publicitário é o de que só estão mostrando situações e coisas que crianças e adolescentes normalmente fazem. É de se compreender, portanto, que as crianças – incapazes, ainda, de tolerar a frustração –, se tornem muito mais simpáticas às mensagens permissivas dos comerciais do que às orientações dos pais. Isto porque, enquanto diz continua e repetidamente frases como “Sim, você pode”, “Faça parte” ou “Você merece”, a publicidade concorre de maneira antiética com a educação das crianças, deixando aos pais a tarefa incômoda de dizer aos filhos muito mais “nãos” do que seria razoável.

Inverter valores e consumir sem limites são orientações perversas transmitidas diariamente às crianças: alimentos ultraprocessados são melhores que os naturais, os pais não sabem o que é melhor para os filhos, consumir hábitos e produtos adultos é melhor do que brincar, a felicidade é comprar, violência é diversão (e as mães é que não a entendem) e por aí afora. E o fato da publicidade falar diretamente com as crianças acentua ainda mais essa inversão também dos papéis dentro dos lares. Não é de hoje que ela prima por promover crianças e adolescentes a ‘última palavra’ dentro das casas. Um objetivo, aliás, que tem sido conseguido com êxito uma vez que as crianças de hoje influenciam em até 80% na decisão das compras da casa (InterScience, 2003).

Os filmes e games violentos são um produto altamente lucrativo principalmente por não dependerem de tradução. Qualquer criança, de qualquer língua sabe que um soco machuca e que uma rajada de balas mata. Porém, quando uma mãe chama um filho para jantar e este pede só mais um minutinho no videogame, esse minutinho pode ser o tempo de que ele necessita para mudar de fase no jogo, bastando apenas “matar mais umas tantas pessoas”. Com tudo isso, fica cada vez mais difícil termos a certeza de estar criando filhos pacíficos, meninas e meninos amorosos e cidadãos comprometidos com o bem comum. É difícil imaginar que um adolescente que se diverte tanto em destruir, matar e mutilar possa se tornar um cidadão inconformado com a violência, empático com a dor alheia, horrorizado com tantos crimes cometidos contra a sociedade e contra o próprio futuro do planeta.

Além do temor natural das crianças e adolescentes de serem excluídos de seus grupos, a curiosidade natural deles e seus anseios em relação ao mundo adulto são alguns dos aspectos de sua personalidade mais explorados pelo Marketing. Como diz a psicóloga e pesquisadora norte-americana Susan Linn: “O sexo e a violência que atingem as crianças em várias telas existem não porque pais, professores ou artistas acreditam que tal conteúdo seja bom para elas, mas porque sexo e violência provaram ser algo que prende a atenção de modo extremamente lucrativo.”Ao difundir o conceito de que a violência é divertida e que as mães só a acham ruim por serem ingênuas ou fracas, a mensagem acaba associando também a violência à idéia de força e virilidade.

A situação do expectador, especialmente os mais jovens, em relação às mensagens é sempre desigual. Enquanto quem ouve e assiste não pode questionar, perguntar ou discordar da mensagem, o emissor está de posse da câmera e do microfone, muitas vezes em rede nacional, propagando uma suposta adesão geral a essa ou àquela proposta: “Todo mundo está usando”, “Todo mundo está fazendo”. Assim, numa simples frase como a do anúncio do game citado, a comunicação em massa impõe uma conclusão como algo incontestável, em outras palavras, dizendo: “Se as mães odeiam este game violento, significa que elas não sabem o que é bom para os filhos, não entendem o que é uma boa diversão e só se horrorizam com a violência porque são tolas ou frágeis”.

Embora a publicidade não abra mão de seu propósito de persuadir, não podemos deixar nossos filhos à mercê de tamanho capricho alheio. Não podemos nos esquecer de que o maior patrocinador da comunicação mercadológica não é, exatamente, o dinheiro de quem anuncia mas, principalmente, a audiência que lhe prestamos. Assim, temos o poder de não concordar

Comentários