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Publicado: Segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Mártires de ontem e de hoje

Há uma radical diferença entre os mártires do cristianismo, nestes últimos vinte séculos, e outros, também apresentados como mártires mas, na realidade, terroristas suicidas islâmicos. A primeira diferença é que os mártires cristãos dão a vida por motivações estritamente religiosas, jamais revidando com violência. São mortos em ódio à fé ou se deixam sacrificar em defesa da própria castidade. Os exemplos se multiplicam aos milhares. Calcula-se em cerca de 40 milhões os mártires da Igreja Católica, dos séculos das perseguições do Império Romano, a partir de Nero, o incendiário de Roma, aos mártires do comunismo ateu na ex-União Soviética, no México e na Espanha, em Cuba e na China. Vale a pena ler os impressionantes testemunhos dados no livro “Nos Subterrâneos da Rússia”. Nos campos de concentração, na Sibéria e nos gulags, milhares e milhares deram, generosamente, a própria vida por suas convicções cristãs e amor à Igreja.

Se em nenhum outro momento destes dois últimos milênios da história, um regime sacrificou tantos cristãos como o comunismo, também não se pode ignorar os numerosos mártires da Reforma Protestante, no século XVI, da Revolução Francesa que, no século XVIII, guilhotinou não somente reis e príncipes mas, também, bispos e sacerdotes, religiosas e fiéis. Os revolucionários de 1789 fizeram tantas vítimas, em ódio à fé, que fizeram por merecer o nome de “Terror”. Mas é preciso não esquecer que nos anos do nazismo hitlerista, nas décadas de 1930 e 1940, além dos milhões de judeus mortos por sua raça e dos milhares de outros sacrificados por razões eugênicas ou opção sexual, muitos cristãos foram mortos em câmaras de gás, como a jovem, ex-judia, filósofa e carmelita Santa Edith Stein e o franciscano São Maximiliano Kolbe, que ofereceu a própria vida para salvar a de um pai condenado à morte em Dakau.

Em seu longo e fecundo pontificado, ninguém como o Papa João Paulo II elevou à honra dos altares tantos mártires da fé católica. Na Rússia marxista dos tempos de J. Stalin, na Espanha Republicana entre 1936 e 1939, e no México comunista na ditadura de Calles, milhares de bispos e padres, religiosas e fiéis foram torturados até a morte, fuzilados por causa de sua fé. Aclamando “Viva Cristo Rei!”, como o jesuíta mexicano Agostinho Pro ou o Padre espanhol Pedro Poveda, o sangue dos mártires tornou-se “semente de novos cristãos” (Tertuliano). O sangue dos cristãos, às vezes também de não católicos, continuará fecundando o solo desta ou daquela nação, em todos os continentes, porque “o discípulo não é maior que o Mestre” e os seguidores de Cristo continuarão sendo perseguidos, caluniados, condenados e mortos “por causa do seu nome” (Mt 5, 11).

Dias atrás a Folha de S. Paulo, que não é um jornal da Igreja, cujos editoriais estão geralmente em linha liberal e permissiva, destacava na página A-9 de sua edição do dia 1o de outubro: “Gao Kexiam, da Igreja Clandestina, Bispo católico, morre após cinco anos de reeducação em prisão”. É sempre oportuno lembrar o leitor de que a Igreja continua tendo, também em nossos dias, os seus santos, virgens, confessores e mártires, clérigos e fiéis. Na Cuba de Fidel Castro, depois da histórica visita do Papa João Paulo II, o regime abrandou a perseguição à Igreja Católica, mas a absoluta maioria dos exilados e presos como dissidentes, sofre não só por suas opções políticas anti-castristas mas, também, por sua fé, seu amor a Cristo e à Igreja. Os mártires cubanos seriam muito mais numerosos se não tivessem optado pelo exílio em Miami e um pouco por todo o mundo.

A situação na China comunista continental, continua extremamente difícil para a Igreja. Cerca de quatro milhões de católicos integram a “Igreja Patriótica”, submissa ao regime e subserviente dos governantes. A Igreja fiel ao Papa, vivendo na clandestinidade, perseguida e humilhada, conta com pelo menos 10 milhões de fiéis, tratados como marginais na sociedade, muitos deles martirizados desde a vitória de Mao Tsé-Tung em 1948. Milhares deles, como o Cardeal de Xangai, Ignatius Kung, até o Bispo Gao Kexian, sigilosamente sagrado em 1993, há poucos dias foi entregue aos seus familiares morto, em um saco, como indigente.

A agência Fides, do Vaticano, e a Fundação Ignatius Kung, dos EUA, com freqüência estão denunciando outros numerosos casos de prisões, torturas e mortes. É certo que hoje são pelo menos quatro bispos e 22 sacerdotes católicos em fase de “reeducação”, confinados em verdadeiros campos de trabalho forçado, além dos “desaparecidos”. Em setembro passado, o porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro Valls, denunciou uma “nova onda de perseguição oficial contra os católicos chineses fiéis à Sé Apostólica Romana, numa grave violação de um direito fundamental como o da liberdade religiosa”. A China continental, marxista ainda hoje, é dos poucos países oficialmente ateus, perseguidor dos cristãos não patriotas.

Unidos e solidários com nossos irmãos e irmãs condenados ao martírio nos dias de hoje, renovemos a nossa adesão à pessoa de Cristo, a nossa fidelidade à Igreja e ao respeito dos direitos humanos. Agradeçamos a Deus e continuemos lutando para preservar o direito à liberdade e prática religiosas, de que gozamos nos 500 anos de nossa história.

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