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Publicado: Sábado, 4 de fevereiro de 2012

Justa Medida

Justa Medida

Foi a minha avó, afamada costureira do Rio antigo, quem confeccionou o célebre pijama do Getulio. Aquele que até hoje guarda o furo no peito e as marcas de pólvora.

Vaidoso como era, o Dr. Getulio poderia ter escolhido o traje que bem entendesse para a sua hora fatal. Fraques, ternos e até cartolas não lhe faltavam. No entanto, escolheu ele o pijama, seu adorado e fidelíssimo pijama, mais fiel e mais chegado que todos os seus guarda-costas, assessores e correligionários  juntos.

Pijama que entrou para a história como o dono. Foi sobre a sua seda que correu o sangue do pai dos pobres, o criador dos direitos trabalhistas, o homem que ficou mais tempo mandando nessa terra de desmandos. Foi dentro da obra máxima da minha saudosa vovozinha que Vargas deu seu ultimo suspiro. Desde 1955 no Museu da República, muito provavelmente é o pijama mais visto e fotografado do mundo. Quando é que a finada vovó Doroty, bordando distraidamente o “G V” do monograma, poderia imaginar o culto que aquela peça teria com o passar dos anos?

Minha avó dizia que o Seu Gegê era irritantemente detalhista em assuntos de indumentária de alcova. Seu envelope de dormir não poderia ser muito apertado a ponto de lhe tolher os movimentos no leito, nem tão folgado a ponto da calça lhe escorregar pela pança se tivesse que saltar rapidamente da cama por motivo de urgência - o que não seria difícil naquele tumultuado agosto de 1954. O fato é que o baixinho gaúcho talvez fosse o único bípede pensante a ter pijamas sob medida, um preciosismo que os livros escolares, estranhamente, nunca registraram. Ah, minha velha e injustiçada Doroty...

Falando em medida, uma mais do que justa seria o reconhecimento,do governo federal à minha talentosa e dedicada vovó, que com suas tesouras, linhas e agulhas tanto contribuiu num dos momentos mais críticos que este pais já viveu. Imaginem que triste espetáculo, aos olhos do mundo, se Getulio tivesse sido encontrado de cueca ou de ceroulas em seu leito de suicida? Nossa nação, que já não tem fama de séria, cairia em irremediável ridículo no noticiário da época. Dependendo da estampa da cueca,  nem todos os esforços de embaixadores e diplomatas conseguiriam abafar a desastrosa palhaçada.

Mas Dr. Getulio era um gentleman até depois de morto, e sabia da importância de um pijama apresentável no contexto das relações internacionais. Não envergonhou o Brasil, ostentando um exemplar digno e maravilhosamente desenhado, com listras simétricas e um estilo de fazer inveja a todo o guarda-roupa de Eisenhower, o presidente norte-americano na ocasião da tragédia.  

Solicito então, às autoridades constituídas, que a partir de agora sejam cobrados royalties de toda foto ou vídeo que documente o pijama de Getúlio Dorneles Vargas, e que a quantia seja revertida a mim - único herdeiro vivo de Dona Doroty. Reivindico, além disso, uma pensão vitalícia de valor equivalente ao recebido pelos ministros do Supremo, a título de retribuição por tudo que minha família fez pela nossa história.

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Nota importante:

Este texto é obra de ficção. Embora escrito em primeira pessoa, o suposto autor da reivindicação é fruto da imaginação deste escriba.




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