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Publicado: Sexta-feira, 27 de abril de 2007

Jujiquinha

Jujiquinha
Estive visitando Almeida Júnior na semana passada, em exposição especial na Pinacoteca do Estado, que não acontecia há mais de cinqüenta anos.
        
As amplas salas exibiam as telas, algumas bem conhecidas para mim, outras nem tanto, mas todas com o traço forte dos rostos caboclos, em cores que lembram insistentemente sua terra e a sua gente.
 
Ver “Nhá Chica”, em enorme retrato, com seu pito de barro, mirando a lonjura pela janela de madeira tosca, me encheu de orgulho e me dei conta que convivo com várias Nhás Chicas, hoje sem pito, mas ainda honrando suas raízes com a mesma altivez.
 
O Cristo enorme, crucificado, imerso em luz etérea, contrastando com o fundo escuro, as surpreendes paisagens do mar, e acima de todos, “Saudade”, o meu preferido, a lágrima que escorre solitária, o xale preto, o baú de guardados entreaberto, a triste claridade que entra pela janela, acentuando o rosto doído, tudo carregado em cinzas e marrons, cada pincelada falando com veemência dessa personagem cheia de tristeza e saudade.
 
O menino pobre que tocava sino nas festas da paróquia, que desenhava com lascas de carvão no chão de terra, que ousou sonhar um destino maior surge, gigante, diante do grupo, atento e embevecido com as explicações da professora.
 
Eu, estufada de satisfação, só conseguia pensar que Almeida Júnior é de gente de Itu, um caipira que cresceu por estas mesmas ruas que percorro diariamente. Que morava perto da casa de minha gente, ia aos lugares que ainda vou e, embora separados por um século, compartilhando o mesmo passado e a mesma história.
 
Recortado em pedaços na sua pintura e inteiro em sua alma, enraizada em cores que contam histórias intermináveis a cada relance do olhar, um artista soberbo, grande em tudo que fez, o melhor de seu tempo.
 
Suas telas conversam com a gente, questionam e instigam, fazem a gente limpar o olhar viciado pelo cotidiano e reparar nos detalhes, como a trama da taipa que aparece no canto da parede, as nuances de tons do céu ao entardecer ou a dignidade simples dos personagens.
 
Visito com freqüência o imponente museu, que tem um espaço permanente para ele, já sei de cor o lugar de cada retrato.
 
Sempre me sinto em casa, como se estivesse tomando o café da tarde em companhia de conhecidos de longo tempo, talvez em uma cozinha bem parecida com a do quadro, onde a gente pode pegar o bolo com as mãos, sem frescuras nem salamaleques, e se dar o desfrute de uma prosa fiada.
 
As feições fortes, densas e vívidas, gretadas pelo sol da lida na roça, as mulheres e homens orgulhosos e dominadores, são como os vizinhos que a gente vai cumprimentando pelas ruas – Ó, como vai a vida - tudo é conhecido, mesmo as paisagens de outros cantos sempre guardam um toque familiar nas cores que lembram a terra.
 
Ouvir aquela gente estrumada falando do Jujiquinha, o ituano que cresceu em sua arte, transformou conceitos e revelou a alma dos caipiras paulistas, me deixou tão feliz que ao fim da aula fui cumprimentar a professora, nem sei bem porque, mas fiz questão de dizer que sou da terra de Almeida Júnior.
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