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Publicado: Terça-feira, 7 de junho de 2016

Incitar o ódio é um lixo

Incitar o ódio é um lixo

Poderia passar, aqui, horas escrevendo páginas e mais páginas, todas fundamentadas em evidências documentadas, pesquisas científicas e outros trabalhos acadêmicos sobre todas as atrocidades que a Igreja Católica proporcionou a alguns povos, seja de maneira direta, atuando com seus próprios membros e burocratizando de maneira oficial todas as perseguições, torturas e mortes, ou seja de maneira indireta, por meio de patrocínio e apoio a quem o fez. Porém, creio que a maioria desses eventos, que passam pela Primeira Cruzada, pela Inquisição Espanhola, pela expulsão dos judeus e muçulmanos da península Ibérica e tantas outras ações, são de conhecimento público geral, uma vez que podem ser vistos na mais básica escola pública. Faço questão de pontuar isso, mesmo que de maneira extremamente rasa, para lembrar, antes de realmente ir ao ponto, que a Igreja Católica já matou milhões de pessoas na tentativa de impor suas crenças e leis, usando seu livro sagrado, a Bíblia, como muleta para tais atos.

Pois bem, agora falemos um pouco de modernidade. O florescer do século XX trouxe à humanidade novas tecnologias e novas perspectivas. Trouxe, junto com o frio estático do trabalho e de suas fábricas que conseguem produzir o que nunca se produziu antes em toda nossa história, a velocidade extremamente rápida da informação e sua maleabilidade. Novos pensamentos surgiram e, de repente, tudo aquilo que era absoluto e insubstituível, passou a ser questionável e fácil de se quebrar.

À luz do pensamento do sociólogo espanhol Manuel Castells, podemos observar que a velocidade das transformações do mundo, quer sejam de pensamentos ou atitudes (sociais, políticas, étnicas, nacionalistas etc) são quase que impossíveis de se acompanhar. As mudanças vêm rápidas e causam certo “estrago” nas sociedades contemporâneas. E, quando um todo social, desprovido de uma base ideológica sólida e trabalhada, se vê sozinho para enfrentar tais mudanças a todo momento, há um estranhamento, um conflito. Desprotegidas, as pessoas tendem a procurar essa base ideológica em algo que as confortem e as tragam segurança para continuar num mundo de constantes alterações. Na maioria das vezes, e essa é uma generalização, buscam tais características nas religiões. O sociólogo polaco Zygmunt Bauman também faz uma ótima analogia sobre tais transformações, analisando aquilo que estava encravado na sociedade e passou a ser questionado como sólidos em processo de derretimento. A modernidade, nesse caso, é líquida, leve, rápida e dinâmica, como um rio que corre montanha abaixo.

Agora, sendo mais prático, podemos fazer a seguinte análise: a mulher sempre se viu num papel secundário na humanidade, com poucas exceções em algumas sociedades (como no antigo Egito, por exemplo, onde várias delas chegaram ao poder máximo). Com o passar dos anos, essa exclusão passou a ser fundamentada com os livros sagrados das mais variadas religiões e passou a ser aplicada de forma forçada. Com o final do século XIX e começo do século XX, certas raízes sociais começaram a ser questionadas, como já citei anteriormente, e o espaço ocupado pela mulher foi uma dessas. Nasceu, então, junto com essa contestação, o movimento feminista. Tal movimento serve, acima de tudo, para lutar pela igualdade de homens e mulheres dentro da sociedade, dando ênfase, claro, para a correção da opressão que as mulheres ainda sofrem por conta de todo um comportamento social machista que vem, como citado, de longa data.

Então, ainda hoje, vemos pessoas ligadas a uma religião que perseguiu, torturou e matou milhões de inocentes emitirem comentários infundados baseados em suas crenças (que já não se sustentam, quando analisadas de maneira fria) sobre movimentos que lutam pela igualdade social de pessoas que foram, historicamente, colocadas abaixo dos padrões aceitos. Mulheres, negros, homossexuais e tantas outras minorias que lutam pela paridade social ainda se veem atacadas, seja de maneira intelectual, seja de maneira verbal ou física, por pessoas que, infelizmente, ainda não conseguiram digerir as rápidas mudanças de nossos tempos e que lutam pela permanência dos modelos enraizados que são contestados por tais movimentos.

Me deparei com o texto de certo senhor aqui no site, ligado à religião Católica e exercendo a função de padre, com um título que me deixou desconcertado, consternado, triste, onde é possível ler “Feminismo é lixo”. O sujeito, acima de qualquer coisa (mas não de maneira surpreendente, uma vez que a instituição a qual faz parte também já fez isso, como dito no começo deste texto), esquece que o maior ícone de sua religião, Jesus Cristo, pregava, dentre outras coisas, o amor e o respeito ao próximo. Pregava que devemos ter, no mínimo, empatia por aqueles que são perseguidos e oprimidos. Inclusive, Jesus fazia parte de uma parcela social que constantemente sofria com as perseguições promovidas pelo Império Romano, que não aceitava os rituais e cultos judeus. A história nos mostra que ele morreu, basicamente, por conta disso. Mas demonstrou o que queria deixar como legado, ao salvar prostitutas, leprosos, mendigos e tantas outras pessoas que sofriam a opressão do Império Romano: que aquilo não fosse perpetuado.

É bom deixar bem claro aqui, também, que é uma premissa completamente errônea achar que o feminismo pode ter um homem ditando aquilo que se deve ou não ser feito. É exatamente o oposto que o autor do referido texto faz. Com uma análise completamente plana e malfeita, uma vez que o autor cita apenas alguns trechos descontextualizados de um livro de Simone de Beauvoir, ele mostra sua completa ignorância no referido assunto e tenta, de maneira sorrateira, “mostrar” os caminhos que as mulheres devem tomar para não serem pegas pelas ideias do feminismo (mas – vejam só – ele, com isso, apenas prova um ponto daquilo que tenta mostrar como errado). Aliás, não faço aqui um esforço de análise para explicar o que é o feminismo detalhadamente, pois tal posição não cabe a mim.

Mas o mais assustador no texto não é sua completa falta de informação, com trechos escolhidos a dedo para tentar provar seus pontos achando “falhas” no feminismo, afinal, se tratando de nossos tempos atuais, é completamente normal que as pessoas deem suas opiniões excludentes e preconceituosas, sem base nenhuma e nem mesmo uma rápida pesquisa, nas redes sociais. É o fato de ter sido escrito por alguém formado em Jornalismo, experiente, com certa influência na sua cidade e inclusive membro da Academia de Letras Ituana. Sinceramente, ninguém que se preze o mínimo de respeito numa argumentação pode tratar o seu objeto de crítica como “lixo”. Nem mesmo os mais renomados e divergentes pensadores da história da humanidade, em seus vários e vários debates, se trataram dessa maneira.

Porém, uma frase do texto faz bastante sentido: “vemos como a estupidez humana parece não ter limites em certos casos”. Algumas pessoas conseguem apenas julgar qualquer pensamento que vão contra os seus como “lixo” ideológico, ao invés de estudar sobre o tema, usar as palavras certas para criticar ou até mesmo calar-se, quando se é a melhor coisa a fazer. Tais pessoas, ao emitir sua opinião de maneira completamente ignorante, desrespeitosa, excludente e preconceituosa, apenas incitam o ódio e desrespeito. No fim, é isso. Desrespeito, sim, é um “lixo”. Falta de empatia com causas que não nos convém é um “lixo”. Algo incompatível com o que devem ser as ações humanas em busca de um mundo melhor, sem as amarras religiosas que tão mal fizeram – e fazem – ao longo de nossa história.

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