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Publicado: Sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Imprescindível

Uma cidade reflete o cuidado e importância que seus cidadãos lhe dedicam. Itu, quase quatrocentos anos depois de sua fundação, perdeu muito da riqueza de seu casario, das vielas, das igrejas e praças centenárias, engolidas pelo afã de modernizar e trazer progresso.

A história ituana está oculta pelos desregramentos do presente, por sucessivas intervenções lastimáveis, que transformaram a cidade em uma colcha de retalhos mal costurados por fios de eletricidade e placas de lojas.


É difícil acreditar que a cidade de Tiradentes-MG é mais de cem anos mais nova que Itu. Um passeio por suas ruas íngremes, a visão de suas igrejas e casarões fielmente preservados é uma verdadeira viagem no tempo, uma lição de história que habita cada esquina e um tapa no rosto dos ituanos que não conseguem ter a mesma perseverança.


É também o ganha pão dos mineiros, que vivem (e bem) dos turistas, ávidos para conhecer o passado colonial brasileiro. O desvelo com sua história transformou-se em fonte de renda, gera empregos e estimula ainda mais a preservação das construções e das tradições culturais.


Felizmente temos alguns “D. Quixotes” que ainda lutam com tenacidade para conservar o que temos de mais significativo, essa personalidade tão singular, construída por bandeirantes e barões, índios, negros e imigrantes.


Preservar só tem sentido se houver um uso, uma função social, para o patrimônio material e imaterial. Preservar não significa isolar algo em uma redoma, que só pode ser observado de longe e não permite troca, envolvimento com o mundo que o cerca. A preservação de obras de arte, construções, músicas, modos e costumes do viver trazem a experiência anterior do que deu certo e do que não funcionou, ajudam a decidir os caminhos mais adequados a seguir. É como ouvir conselhos dos avós, um aprendizado através da experiência dos que nos antecederam.


Um bom exemplo é a Igreja Matriz, em processo de restauro já há algum tempo. A cada nova descoberta, a cada recuperação, um pedaço da memória é revivida e volta a ter sentido para vida da cidade.


Já não temos os mecenas de antigamente, que mesmo sem descontos no imposto de renda, patrocinaram as pinturas e o ouro do altar, encomendaram imagens de santos e músicas para as festas.

        
Gente que se preocupe em devolver para a cidade um pouco da riqueza gerada em suas terras. E gente dessa estirpe quase não existe mais.


Digo quase por que é impossível ignorar o afinco com que Jair de Oliveira tem literalmente brigado pela preservação da cidade.


Esse D. Quixote ituano, diferente do personagem de Cervantes, não luta contra moinhos de vento imaginários, tem o olhar acurado ao olhar para a cidade e seus bens. Sabe a importância e a urgência de sua tarefa e merece o mais profundo respeito pelo tanto que tem feito em mais de trinta anos de batalhas quase solitárias pela preservação do patrimônio ituano.

        
Tem um poema que diz que há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores. Mas há os que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis.

        
Jair de Oliveira é um desses, imprescindível.

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