Ilha Terceira - terra dos bravos

Caros leitores,
Ao descrever esta terra magnífica, apraz-me citar uma frase do saudoso escritor, poeta e intelectual, Vitorino Nemésio (natural desta ilha): “Eu me construo e ergo, peça a peça de saudade, vagar e reflexão”. É com esta amálgama de construção a correr-me pelas veias, que, através das palavras e gotas de saudade, levo-vos à Ilha Terceira.
Na surdina, irrompe envergando um simples vestido, enlaçado ao peito e rodopiante na saia. Perfuma-se com o vapor das caldeiras… E lá vai ela alegre e cantadeira, abraçar os dias num pregão à solta, e as noites num fado velado. Amante eterna de São João, todos os Junhos, espera-o com a promessa de casamento… Celebrando apenas o noivado em cada um deles.
De forma elíptica, apoia-se numa plataforma basáltica numa superfície de 381,96 km², 29km de comprimento e 17,50km de largura, regista 55.923 habitantes.
Espraia-se nas baías douradas, banha-se na maresia e ergue-se para o espaço através de soberbas montanhas, montes, serras, e vales onde serpenteiam o casario, estradas, ruas e vielas em constante frenesim.
Aquando do reconhecimento da Ilha Terceira por navegadores portugueses, esta foi denominada Ilha de Jesus Cristo, nome que se manteve durante décadas. O povoamento inicia-se em 1450 com o clono flamengo Jácomo Bruges; as primeiras povoações situaram-se em Porto Judeu e Praia da Vitória (uma das cidades atuais), estendendo-se por toda a ilha num curto espaço de tempo sob a donataria de João Vaz Corte-Real.
Com uma economia voltada para culturas semelhantes às anteriormente enunciadas (cereais e pastel), a Ilha Terceira passa a ter um importante papel na navegação dos séculos XV e XVI, como porto de escala para as naus, que cruzando mares, traziam fabulosas riquezas das Américas (México e Peru), às quais juntavam-se os Galeões da Índia. Neste período, a Terceira é um entreposto de ouro, prata, diamantes e especiarias, vindos de outros continentes, fato chamativo à cobiça de corsários franceses, ingleses e flamengos.
A sucessão ao trono português do rei espanhol Filipe II em 1580 e o partido tomado pelos terceirences ao pretendente D. António, Prior do Crato (o qual chegou a residir na ilha e nesta cunhar moeda), levou a que a Terceira sofresse tentativas de conquista pelos espanhóis.
O primeiro desembarque de tropas espanholas, em 1581, foi totalmente derrotado na célebre batalha da Salga (ponto geográfico de fácil abordagem costeira), em que participaram os escritores Miguel de Cervantes e Lopes de Vega. Em 1583, forças espanholas conseguem dominar a ilha, comandados por D. Álvaro de Bazan (vencedor da batalha de Lepanto).
Em 1828 com a queda dos absolutistas, mais uma vez a ilha assumiu papel preponderante na história portuguesa, transformando-a na principal base dos liberais. Em 1829, após a derrota dos miguelistas, é instalada regência. Foi depois da posterior conquista das restantes ilhas do arquipélago e a partida da armada e exército em 1832, após o desembarque no Mindelo, que é proclamada a carta constitucional. Neste período, Angra do Heroísmo é elevada a cidade por D. João III, chegando a ter o título honorífico de capital constitucional do reino.
Derivado à forte expansão econômica e numerosa presença de nobres na Ilha, nos séculos XVII e XVIII ergueram-se casas senhoriais e colossais monumentos dos quais se destacam:
A Sé de Angra com os seus retábulos (painéis de telas pintadas, alusivas à vida de Cristo), possui um precioso frontal de prata no altar do Santíssimo Sacramento;
O Convento de São Francisco (atualmente museu), onde podemos encontrar secções de pintura, escultura, gravura, desenho, mobiliário, cerâmica, arte sacra, artes ornamentais, etnografia, numismática e objetos de temas militares e navais;
A Igreja da Misericórdia com particularidades arquitetônicas tais como: suporte de três naves e duas torres no frontispício;
A Igreja do Colégio que pertenceu aos Jesuítas e possui uma coleção rara de azulejos policromos de Delft, Holanda.
Para completar a riqueza do patrimônio de Angra do Heroísmo conta-se o Teatro Angrense, um dos mais apetrechados do país; o Castelo de São Batista; o Palácio Bettencourt...Todos os monumentos obedecem ao estilo arquitetônico renascentista.
Após o terremoto de 1981, grande parte do patrimônio desta Ilha sofreu grave destruição, tendo, no entanto, sido rigorosamente reconstruído e recuperado. Esta cidade foi agraciada em 1983 com o título de Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO.
Importante será referir que a vitivinicultura nesta ilha é de grande expressão econômica, a par de outras, refletindo a sua opulência através do Museu do Vinho, rico em espólio de castas e garrafeira na Ilha.
Culturalmente, têm como referência o teatro, o cancioneiro popular, a secular tradição das touradas (festa brava), as tertúlias e o festival de jazz com eco a nível mundial (Angra jazz), entre outros eventos.
Ilha Terceira…! Por todos os seus poros transpira alegria e saudade! Terra de gente e mar, que abraça rochedos sem medo, que se deixa embalar pelo vento e na bruma se envolve… Terra onde o sentimento brota tão puro que se torna transparente… Onde a transparência transforma o pensamento numa forma de estar… Algures e em qualquer lugar… Terra onde pássaro não chora porque tristeza de pássaro não inventou lágrima… Terra onde o sonho é cambiante da vida…
Termino como comecei: “Eu me construo e ergo, peça a peça de saudade, vagar e reflexão…”
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