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Publicado: Sexta-feira, 30 de setembro de 2005

Heróis humanos

Qualquer momento pode ser um convite à celebração da vida. Especialmente os filhos, se nós estivermos atentos, podem nos ajudar a abrir a porta mágica que transporta do atribulado cotidiano para o sagrado. Tenho procurado estar atenta a isso, com os ouvidos bem abertos e tempo disponível no coração, para não deixar a porta mágica esquecida dentro de minha alma. Outro dia, enquanto tomava café com o meu filho (o mesmo que me abriu para a reflexão do artigo “pause”), ele disse: “Mamãe, já pensou se o mundo tivesse um monte de heróis e alguns vilões?”. Claro que ele estava se referindo aos superpoderosos heróis e vilões que voam, soltam fogo pela boca e dão golpes mortais. Sua criativa imaginação de 6 anos visualizou seus heróis voando pelas ruas, lutando contra o mal e salvando a humanidade.
Fiquei pensando e comentei: “Seria muito divertido, né? Mas, pensando bem, para ser herói não é preciso ter superpoderes ou saber voar, você não acha? O que o herói faz?” E ele respondeu: “Ele luta contra o mal e salva as pessoas”. E eu respondi: “Então, tem muitas pessoas que também fazem isso. Elas lutam para salvar a natureza, curam pessoas de doenças, descobrem novas invenções, lutam pela paz e muitas outras coisas importantes. Eu acho que fazer isso é como ser herói, você não acha”. Ele respondeu prontamente: “Não, eu não acho. Herói é herói”.
Inicialmente, fiquei meio frustrada com a resposta. Depois achei graça, pois eu havia me esquecido de uma coisa fundamental: meu filho tem apenas 6 anos e eu estava querendo que ele olhasse por uma fresta que não era dele, era minha. Por pouco, minha expectativa não realizada atrapalhava esse momento. Mas felizmente acordei antes disso. As coisas são como são, não precisamos encaixar as pessoas e suas crenças dentro dos nossos desejos. Aprender a exercer essa atitude é a chave para relacionamentos de grande valor.
A conversa com o meu filho mudou de rumo e continuamos aproveitando o café da manhã. Mas dentro da minha fresta, fiquei pensando: “Será que nós, adultos, carregamos ainda essa visão de que só existem heróis e vilões no mundo da fantasia? Será que essa visão não nos impede de perceber o bem e o mal que estamos fazendo uns aos outros e o poder que temos de realizar algo de valor?”
É tudo uma questão de como vemos a vida: se valorizamos os feitos de cada ser humano como algo único e especial, então aprendemos que de alguma forma, somos todos heróis. Nascemos com uma missão, passamos por muitas dores e alegrias e deixamos nosso legado. Influenciamos pessoas — para o bem ou para o mal — e isso faz uma grande diferença. Somos geradores de outros seres humanos, de idéias, de construções, de sabedoria e riqueza. Temos o poder de interferir na vida de outros seres humanos e da natureza — para o bem ou para o mal — e esse poder nos torna heróis ou vilões de nossa própria história.
Talvez não seja preciso voar para ser herói, nem cuspir fogo para ser vilão. Basta estar acordado para enxergar que a realidade é mesmo inacreditável.

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