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Publicado: Sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Hemi* e a despudorada Lilith

“Por que devo deitar-me embaixo de ti?
Por que devo abrir-me sob teu corpo?
Por que ser dominada por ti?”

Em algumas versões do mito da Criação, a primeira mulher criada foi Lilith, que se rebelou contra sua imposta inferioridade, recusando-se a permanecer numa posição passiva durante o ato sexual.
- Patrão! Assim não é possível! - Protestou.
- Ora, ora... Mas essa é a ordem natural das coisas...
Revoltada, Lilith abandonou a APA, conhecida como Jardim do Éden. Tamanha independência era demais. O jeito foi transformar a transgressora em bruxa, demônio ou em qualquer outro ser aterrorizante.
 
A imagem de Lilith, então chamada de Lilitu, surgiu representando uma categoria de demônios ou espíritos de ventos e tormentas na Suméria, por volta de 3000 a.C. Na antiga Mesopotâmia, ela foi associada ao vento noturno - um demônio feminino portador de doenças e morte.
Cultuada na Suméria e na Babilônia, Lilith foi simbolizada pela Lua e, também, identificada com os demônios e espíritos malignos. Assim surgiram as lendas vampíricas, tão em moda no século 21. Lilith tinha cem filhos por dia, que se alimentavam da energia desprendida no ato sexual e de sangue humano.
 
Na Idade Média representava a liberdade sexual feminina e a castração masculina. Seus ataques eram descritos como um aperto esmagador sobre o peito, seguido por uma dor lancinante, pois, com sua vagina, seccionava o membro masculino, numa vingança por ter sido obrigada a ficar por baixo de Adão.
 
Na Literatura e nas artes dos séculos 19 e 20, os românticos se ativeram a sua imagem sedutora, em oposição à figura demoníaca. Na Astrologia moderna, Lilith é o nome de um ponto correspondente ao apogeu da órbita lunar, quando a Lua se encontra mais distante da Terra - a “Lua Negra”. Por ser um ponto vazio e não um astro, muitos astrólogos desconsideram sua interpretação no mapa astral.
 
O sexo, a energia sexual e o próprio ato são oriundos de uma única fonte e representados como os vilões das grandes ascensões e quedas - das divindades aos seres humanos. Sutil é o fio que determina o resultado, ainda mais difícil de ser percebido na floresta dos dogmas.
 
Na pós-modernidade, nada de abstinência. Recomenda-se seu exercício constante. Feito um remédio unissex, a bula prescreve a prática tantas vezes por dia, semana e mês, o grau de satisfação a ser obtido e, o mais curioso, estabelece homogeneamente o nível de interesse que cada um deve ter para ser considerado saudável, normal e realizado. Até o Ministério da Saúde prescreveu o sexo diário.
 
Pouca coisa mudou desde Hemi-Eva e Lilith-Hemi, demonizadas por sua natureza sexual. As novas Hemis e seus Antis não são sequer donos de sua libido, exacerbada pela exposição midiática que a banalizou, mantendo-a sob permanente controle social.
 
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