Freud e a invenção da Psicanálise

Neste mês de Setembro contam-se 76 anos da morte, em Londres, daquele que inventou uma nova maneira de tratar o psiquismo – a psicanálise.
Schlomo Sigismund Freud, mais conhecido como Sigmund Freud, nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiberg, na época, pertencente ao antigo império austríaco e foi um médico neurologista que, em seu percurso, encontrou-se com uma soma de fatores decisivos para a invenção deste novo campo do conhecimento.
O primeiro destes fatores foi o encontro e, consequente parceria com o médico vienense Josef Breuer, nos anos 80, do século XIX. Nas últimas décadas da era vitoriana, Freud já tinha mais de 30 anos, era médico e professor e seus principais pacientes, nesta época, eram os “doentes dos nervos”. No entanto, Freud, decepcionado de forma crescente com as técnicas utilizadas pela medicina de sua época, como a “eletroterapia”, passa a interessar-se por métodos não-reconhecidos pelas ciências médicas, como a “hipnose”, de maneira correlata.
O que aproxima os dois médicos vienenses tratava-se de fenômenos que não encontravam lugar na ciência acadêmica. Seu conjunto caracterizava o sinal do que ficou mais conhecido como “Histeria”, termo derivado do grego hystera, que significa útero. Neste conjunto de fenômenos incluía-se, principalmente, a “conversão”: manifestação de sintomas físicos, para os quais, havia a hipótese de que a formação do sintoma somático, isto é, no organismo, tratava-se da expressão de um conflito psíquico, uma representação carregada de afeto que transpunha-se para o corpo, manifestando-se através de paralisia, surdez, cegueira, etc.
Joseph Breuer tratava de uma paciente, chamada Bertha Pappenhein. Esta paciente apresentava tais fenômenos e este caso intrigou o jovem Freud. O caso vêm à público, quando Breuer e Freud assinam juntos os Estudos sobre a Histeria (1893-1895) e ficou mais conhecido como o pioneiro “caso Anna O”, da psicanálise.
O essencial neste primeiro momento, para a invenção de um novo campo que viria a se chamar psicanálise está na ética do médico vienense. Breuer se cala, ao ouvir de sua paciente: “Cale-se, deixe-me limpar a chaminé! Farei a cura pelas palavras!” – tal posicionamento permitiu que houvesse a escuta da subjetividade na expressão do sintoma.
A escuta do sintoma, além de trazer a singularidade para o primeiro plano, também permitiu a Breuer observar que, de fato, havia uma melhora no quadro da paciente. Isto veio a reforçar o interesse de Freud, na medida em que Breuer compartilhava o relato deste caso, somando-se à um de seus interesses que, referindo-se à lida com a palavra, passa à coadunar com a experiência de falar livremente. Nesta época, Freud interessa-se, pelos relatos de seu colega Breuer e isto veio à somar-se ao seu interesse anterior pela leitura de um livro, chamado A arte de tornar-se um escritor original em três dias, de Ludwig Börne (1823), na adolescência. O livro instiga o leitor a ficar maravilhado com as idéias inusitadas que poderá ter, à partir da escrita de todos os pensamentos que lhe ocorressem livremente, durante três dias consecutivos. A soma destes dois fatores viria constituir o essencial da experiência analítica e seu método – a associação livre de idéias.
Um outro fator decisivo para a invenção da psicanálise refere-se aos quatro meses em que Freud estagiou no Hospital Salpêtriére, em Paris, com o “grande Charcot”. Jean-Martin Charcot, um médico e cientista francês, conhecido por ser um dos fundadores da neurologia moderna, promovia apresentações em que demonstrava a produção e eliminação dos sintomas histéricos em seus pacientes, através da sugestão hipnótica. Mais tarde, no entanto, Freud abandona a técnica da hipnose, por dar-se conta de que seu emprego vedava a expressão de mecanismos psíquicos que vêm como defesas contra representações desagradáveis e ameaçadoras. A “conversão”, por exemplo, seria um modo de defesa específico da histeria. Contudo, com Charcot e na parceria com Breuer, Freud pôde perceber como a palavra toca corpo e, em 1900, publicou sua obra-prima, A interpretação dos sonhos. Nela, reúne uma série de noções que retificam o novo método que propõe.
Na teoria psicanalítica, o novo uso da palavra e a noção de que esta toca o corpo, somam-se à sua expressão no inconsciente, a revelação de um saber que não se sabe, permitindo haver uma nova maneira de tratar e interpretar o sintoma, ao retirar-lhe o estatuto de fato mórbido em sua objetividade, empreendido pelas ciências médicas. Na psicanálise, o sintoma passa a ser uma mensagem cifrada pelo inconsciente e está estreito à articulação da palavra. Para Freud, em tempos de invenção, a direção do tratamento era conduzida de maneira à trazer à luz afetos recalcados, cuja expressão, referente à sexualidade, se dá não apenas nos sintomas, mas, nos relatos de sonhos, nos atos falhos, nos chistes e nos lapsos de memória.
A influência de Freud na cultura do século XX é inegável. Sua invenção permanece à intervir na pólis, até os dias de hoje. Até a publicação de seus últimos trabalhos, Freud e a recém-inventada psicanálise deixam questões concernentes à grandes enigmas na cultura como, por exemplo, o da sexualidade. Em sua maioria, naquele momento, permaneceram sem respostas conclusivas, ou ainda, sem ferramentas suficientes para articulação, mas, abriram caminho para que outros pudessem avançar sobre eles, junto da civilização e à luz de um uso inédito da semântica e, por consequência, de uma nova maneira de pensar e interpretar o laço social.
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