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Publicado: Terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Flores para uma travessia

Já há algum tempo eu vinha lamentando pela sua provável partida. Chorava pelas estradas, quando sozinho transitava de uma cidade a outra; chorava à noite, antes de dormir, nos momentos em que ficava a sós com meus pensamentos; chorava no banho quando minhas lágrimas se misturavam à água quente que lavava superficialmente minhas dores, tentando cicatrizar algumas das minhas feridas. Na maioria das vezes, fiz isso sempre só. Uma atitude que é fruto da nossa cultura e que acabei assimilando exemplarmente: a falsa idéia de que nós, homens, somos fortes.
Ingenuamente, eu achava que esse momento poderia ser adiado indefinidamente. Dessa forma, creio que nem percebi a lenta preparação para sua viagem. Achando que ela ainda demoraria, nem notei que havia algo maior que o chamava. E foi só quando o encontrei, na última quinta-feira, que tomei consciência de que sua ida era mesmo inexorável. Paradoxalmente – e não sei por qual razão - alguma força interior me fez não mais chorar. E não é porque eu não conseguia chorar em público; o fato é que eu estava tranqüilo, muito sereno e sabia que a hora era chegada.
Na sexta-feira, levantei-me de madrugada, vesti-me e dirigi-me ao local acordado. Quando o dia amanheceu, ficamos nós todos lá de prontidão para receber seus colegas e admiradores que começavam a se reunir para as formais despedidas. O Sol foi se erguendo no horizonte e as pessoas foram chegando: parentes, amigos, gente que nunca tínhamos visto, mas que foram lá para homenageá-lo. Houve até quem nos dissesse que, quando criança, se não passara fome um dia, fora devido ao auxílio que o senhor prestara aos familiares dele. E também foram chegando flores. Eram flores coloridas, nos mais variados matizes, arrumadas em armações muito belas e também ornamentadas com faixas. Li todos os dizeres e as identificações de quem as mandava: vinham de todos os lugares, de várias instituições e de inúmeras famílias. Além disso, todos os conhecidos que chegavam nos cumprimentavam e diziam palavras que nos deixavam ainda mais orgulhosos, fazendo-nos compreender melhor como fora até então seu trajeto.
Quando estávamos no início da tarde, já havia um corredor florido pelo qual o senhor passaria; nele não cabiam mais flores. E as pessoas todas se aglomeravam para um último aceno. Olhei no relógio e ainda faltava uma hora. Foi então que me lembrei de que também tinha um mimo para lhe entregar e que gostaria que o senhor o carregasse em sua próxima jornada. Reuni vários dos meus Irmãos que estavam ali presentes. Eram muitos e vindos das mais variadas localidades. Pedia a eles que fizessem uma corrente que o circundasse em sinal de respeito. Tirei do bolso um pequeno ramo e lembrei aos presentes de que aquele era o símbolo do nosso Mestre. Entreguei-o a quem estava à minha direita, pedi a ele que o segurasse e nele colocasse suas boas energias, passando-o em seguida. Um a um, meus Irmãos foram segurando a pequena planta por alguns segundos, dizendo ou pensando cada qual o que desejasse, até que ela completou o círculo e, assim, retornou às minhas mãos. Coloquei-a em sua lapela e dei-lhe meu beijo de despedida.
A acácia é o símbolo da imortalidade da alma, muito provavelmente pela principal de sua característica que é a durabilidade e a resistência ao ataque de insetos, devido às suas típicas resinas. Da mesma forma que a flor que desabrocha e murcha nos faz lembrar a natureza transitória da vida humana, a renovação perpétua da acácia, sempre verde, aparentando juventude e vigor, é adequadamente comparada à vida espiritual, na qual a alma, uma vez liberta da companhia do corpo, gozará de eterna primavera e imortal juventude. Assim, essa planta permanentemente verde é um emblema da nossa crença na imortalidade, ou seja, ela nos faz lembrar que, dentro de nós, existe uma parcela que sobrevive à morte e que nunca perecerá.
Pai, que sua travessia seja tranqüila, doce e serena!

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