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Publicado: Quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Fique ao meu lado

Crédito: APCRC Fique ao meu lado

Recentemente cruzei sem grandes pretensões com uma versão do “Songs Around World” da música “Stand by me” de Ben E. King e enchi-me de uma alegria renovadora. Novamente irei falar sobre o mesmo assunto, com a mesma relevância e com a mesma intensidade necessária ao tema. “Fique ao meu lado” pede a música e a mesma ainda indaga “não importa quem é você e nem para onde vá, terá um momento em sua vida que precisará de alguém ao seu lado”.

 

Tenho escrito sobre a importância do vínculo, sobre as relações, o respeito, sobre a vida e suas dores, sobre o amor, ah sim, sobre o amor, e cada novo dia e cada nova vida que cruza meu caminho percebo fortemente a ideia de que a espécie humana é toda envolta por uma energia voltada para a vida na relação com outros, com tudo que pulsa e vibra, que interage e respira. A vida humana é partilhada na junção mesma dos sonhos de cada dia e de mãos dadas vamos seguindo todos juntos nas dores e amores que nos cercam e dilaceram e nos colocam novamente na roda.

 

Se não for pela própria vida ou pela necessidade instintiva de sobreviver, que seja pelo menos pela intrigante capacidade de amar e se entregar, de viver e se doar aos sentimentos que nos tomam, muitas vezes desprevenidos e contidos, mas ainda assim nos inserem nesse ciclo de nascer, se integrar, viver, sofrer, amar e morrer.

 

Que nenhum medo seja tão assustador a ponto de impedir o mergulho nessa onda da vida. Que nenhuma dor seja tão lacerante a ponto de incapacitar o sentimento que as relações têm a oferecer. Que nenhum remédio ou adoecimento seja tão alucinante a ponto de anestesiar a sensação da realidade de um toque em sua pele, de um beijo, de uma carícia. Que nenhuma vivência ruim seja suficiente para usurpar a inocência do amor. Que nenhuma cicatriz seja tão profunda e danosa a ponto de remover a habilidade humana de sempre lutar, desejar e esperar por mais.

 

O que acontece com os relacionamentos hoje? Por que as relações não tem dado certo? Por que as pessoas não conseguem se entender e construir vínculos duradouros? O que sucede nesses novos tempos de uma volubilidade intrigante e nociva?

 

Há alguns anos, em tempos históricos, temos observado, vivenciado e sentido uma mudança drástica na forma como a sociedade se dividiu e estruturou. Antes o que era uma constituição familiar aceitável, hoje não é mais a única forma de estar no mundo com outras pessoas. Vemos outras maneiras de criar famílias e vínculos e, sinceramente, não creio que isso seja em hipótese nenhuma o problema das relações atuais, pois o que mudou foi apenas uma questão estética, as buscas e objetivos quase sempre permanecem os mesmos.

 

Ter alguém para partilhar a vida em suas nuances e detalhes. Dividir problemas e alegrias. Construir parcerias. Ter filhos ou deixar marcas simbólicas no mundo. Explorar, mas ter para onde voltar, um local de refúgio que tenha seu cheiro, seu jeito, seu formato. Desenvolver laços testemunhais de sua existência aqui nesse tempo, nesse contexto. Sexo. Encontros de carne que sejam bem mais que uma busca por prazer isolada. Amizade. Alguém que se importe e volte e lute e tente. Alguém que nos olhe em nossos defeitos e medos e erros e permaneça lá. Sentir-se especial e únicos. Ter reconhecimento por seu trabalho e sonhos.

 

A vida não é fácil e muito menos simples. Temos consciência e ela nos traz um incansável e profundo senso de realidade. Sabemos da dor, da morte, da doença, do rompimento. Sabemos das diferenças. Sabemos que envelhecemos, deixando a juventude e a vivacidade nas lembranças caras e longínquas. Sabemos que temos nas mãos no mesmo micro segundo que podemos perder. E ainda sabemos que não há relacionamentos perfeitos e muito menos condições de agradar a todos a todo tempo. Então, o que nos sobra são apenas esses instantes felizes que vão acontecendo no meio de tudo isso que compõe uma vida inteira. O respeito e a lealdade de não desistir quando nem tudo está perfeito. Aqueles momentos que somos tomados por uma plenitude existencial, como se a vida pudesse parar ali e ficar para todo o sempre.

 

Devaneios a parte, parece que uma das únicas certezas da vida é que precisamos uns dos outros, em que medida e por quanto tempo, isso fica a critério de cada experiência particular, de cada mente e de cada valor. Mas, ainda assim, precisamos uns dos outros como referência existencial, dando-nos validade e testemunhando nossa passagem por essa vida. O outro nos situa e acolhe em suas imperfeições, apenas seres errantes vagando pelas experiências alheias tentando fazer sentido em alguns momentos. Encontro de almas? Não. Diria encontro de dores. Dividimos nossas dores e aflições e assim a vida vai seguindo um pouco mais leve. 

 

Enfim, que tenhamos a energia necessária para buscar aqueles que ficarão ao nosso lado sem desistir quando toparem com nosso reflexo mais obscuro. Que a esperança não se esvaia e que os amores sejam fruto de mais encontros alegres compartilhados também em dores e imperfeições.

 

Qual a melhor forma de prestar respeito e reverência a uma pessoa senão jamais ignorar sua existência e sonhos, sejam eles quais forem.

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