Ficaquieto e Saidaqui
Da varanda espio o quintal vizinho, que se oferece à minha curiosidade. Dois velhos cães ocupam o espaço - parte externa do casarão vazio. Diariamente a empregada chega cedo, para limpar o local e alimentá-los.
Quietos, eles esperam junto á porta abanando lentamente as caudas, e se afastam ao ouvir o ruído da chave na fechadura. A moça sequer imagina o quanto é esperada.
Nenhum som parte do encontro. Não há palavras ou festa para eles. Em silêncio a mulher percorre o corredor e, em poucos minutos, recolhe as fezes e lava o quintal.
- Sai daqui! - Grita ela para os cães por diversas vezes, enquanto eles se recolhem acabrunhados na lavanderia. Na sequencia, abastece as tigelas com água, ração e parte.
Em raros finais de semana, membros da família revivem a casa fechada. São recebidos com alguns poucos latidos, respondidos imediatamente com um ríspido e alto “Fica quieto”.
É possível que em outros tempos os cães fossem desejados, entregues como presente ou adotados, compondo uma família com os humanos. Que crianças corressem por ali, e que eles acompanhassem as brincadeiras, juntando seus latidos aos risos infantis. Que os adultos os afagassem, instigando-os a fazer graça, e que seus pequenos corações quase arrebentassem de alegria com a chegada dos donos.
Ficaquieto e Saidaqui, como os chamo, hoje perambulam ao longo dos dias pelo espaço vazio – de afeto, atenção e respeito. Talvez em busca dos nomes perdidos, ou de um tempo feliz que não volta mais.
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