Colunistas

Publicado: Domingo, 7 de outubro de 2007

Exploração e produção do ferro no Brasil:Séc. XVI

  Arqueologia de uma Fábrica de Ferro no Brasil: séculos XVI-XVIII

 

Anicleide Zequini

[email protected]

Museu Paulista – Universidade de São Paulo, Brasil

 

Apresentação

Este Trabalho foi apresentado no I Congresso Internacional da Sociedade de Arqueologia Brasileira em setembro de 2007, que foi sediado na cidade de Florianópolis – SC, Brasil e, publicado nos Anais desse mesmo Congresso.

 

Introdução

Este artigo tem por objetivo demonstrar, sob o ponto de vista da Arqueologia Histórica, os resultados da Tese de Doutoramento em Arqueologia intituladaArqueologia de uma Fábrica de Ferro: morro de Araçoiaba, séculos XVI-XVIII defendida em março de 2007, no programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Brasil. A Tese está disponível on line no endereço: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/71/71131/tde-25062007-151536

 

  

Resumo: O Sítio Afonso Sardinha, situado no interior do Estado de São Paulo-Brasil é considerado a primeira área de mineração e fundição de ferro do Brasil. Entre os anos de 1983 a 1989, a realização de uma pesquisa arqueológica e, posteriormente, a análise dessa pesquisa, evidenciou estruturas que puderam ser identificadas como uma Fábrica de Ferro, um sistema de aproveitamento de energia hidráulica e fornos de fundição do tipo baixo nos quais eram empregados a técnica pelo “método Direto”. Além disso, o encontro de materiais cerâmicos possibilitou a datação absoluta das atividades mineradoras apontando o século XVI para o início daquelas atividades.

 

Palavras Chave: Arqueologia Histórica; Produção de ferro, Brasil; História da Técnica, Brasil século XVI.

 

Introdução

Este artigo tem por objetivo demonstrar, sob o ponto de vista da Arqueologia Histórica, os resultados da Tese de Doutoramento em Arqueologia intitulada Arqueologia de uma Fábrica de Ferro: morro de Araçoiaba, séculos XVI-XVIII defendida em março de 2007, no programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Brasil[1].

Para a elaboração dessa Tese, foram analisados um conjunto vasto e consolidado de textos produzidos durante a realização da pesquisa arqueológica, como também, artefatos que foram coletados durante a realização das escavações no Sítio Arqueológico Afonso Sardinha localizado no município de Iperó, dentro de uma área de proteção ambiental da Floresta Nacional de Ipanema, no interior do Estado de São Paulo – Brasil pela pesquisadora e arqueóloga Margarida Davina Andreatta, entre os anos de 1983 a 1989.   

Entre os textos produzidos estão os Diários de Campo, correspondências, levantamentos topográficos, planos de escavação, croquis e desenhos geométricos de plantas das ruínas, croquis de cortes estratigráficos e de reconhecimento das escavações, Inventário de Peças e fotografias, tudo devidamente registrado em relatórios da pesquisa.

            Quanto aos artefatos coletados durante as investigações de campo foram elaborados exames visuais e catalográficos visando à datação relativa, assim como foram encaminhadas amostras de cerâmica ao Laboratório de Vidros e Datação da Faculdade de Tecnologia de São Paulo – FATEC, para serem submetidas a testes de datação absoluta, com base em ensaios de Termoluminescência.

Por outro lado, amostras de resíduos de fundição (escórias) foram ensaiadas em laboratório para análise química-mineralógica no Departamento de Mineralogia e Geotectônica GMG, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, Brasil.

           

O Sítio Arqueológico Afonso Sardinha.

O Sítio Arqueológico Histórico Afonso Sardinha foi assim denominado, por ter sido Afonso Sardinha, bandeirante, e seu filho mameluco[2] Afonso Sardinha, o moço, apontados por Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1714-1777), em sua obra Notícia das Minas de São Paulo e dos Sertões da mesma Capitania, escrito em meados do século XVIII, ter sido Sardinha e seu filho, “os que tiveram a glória de descobrir ouro de lavagem nas Serras de Jaramimbaba e do Jaraguá em São Paulo, na de Votoruna em Parnaíba e na Biraçoiaba, no Sertão do Rio Sorocaba, ouro, prata e ferro pelos anos de 1597” (TAQUES, 1954, p. 112).  

Em outra obra, intitulada Notícias Genealógicas PedroTaques completa aquela informação indicando que Afonso Sardinha havia construído uma fábrica e dois fornos de fundir ferro em Biraçoiaba (morro de Araçoiaba) e que havia doado, uma dessas Fábricas, à D. Francisco de Souza, quando “em pessoa passou a Biraçoiaba no ano de 1600” (VERGUEIRO, 1978, p. 6).

Contudo, os autores não são unânimes em afirmar que o primeiro empreendimento mineralógico e metalúrgico tenha sido realizado por Afonso Sardinha. A inexistência, notadamente por questões de conservação, nos arquivos brasileiros, de muitos dos documentos escritos naquele período levou Mário Neme, por exemplo, em seu livro Notas de Revisão da História de São Paulo, publicado em 1959 concluir que, os dados oferecidos por Pedro Taques a respeito da construção de uma Fábrica de ferro por Afonso Sardinha no Morro de Araçoiaba, não passou de uma fábula criada por aquele autor, sendo que a única fábrica de ferro que de fato existiu no início do século XVII foi a de fábrica de ferro de Santo Amaro (NEME,1959, p.11)[3].

            Sobre essa mesma questão, deve-se considerar o artigo publicado em 1966 pela historiadora Leda Maria Pereira Rodrigues, intitulado As Minas de ferro em Araçoiaba (São Paulo. Séculos XVI-XVII-XVIII), onde a autora afirma que “os primórdios de nossa História fazem surgir dúvidas difíceis de serem esclarecidas, pois há falta de documentos coesos que provem incontestavelmente a veracidade de certas afirmações” (RODRIGUES, 1966, p.246-249).

            As ruínas arqueológicas foram localizadas no interior de um vale, denominado das Furnas, junto ao ribeirão do Ferro, que nasce e cruza o morro de Araçoiaba. O vale das Furnas é uma área privilegiada por sua geografia devido à presença do minério de ferro em suas cabeceiras e de uma diversificada quantidade de rochas, dentre elas o arenito que foi utilizado como material de construção, na forma de blocos, para paredes da fábrica de ferro e dos fornos de fundição encontrados pela pesquisa arqueológica. Destaca-se a rede hidrográfica que apresenta dois rios importantes como o rio Ipanema e o Sarapuhy, que contornam o morro de Araçoiaba, indo desaguar no rio Sorocaba.

A bacia do ribeirão do Ferro ocupa uma área importante dentro do morro de Araçoiaba porque é ela que drena a região onde afloram os minerais de ferro, sendo que a topografia acidentada do seu leito possibilitou a implantação de estruturas de aproveitamento hidráulico. A região apresentava significativa área coberta de matas, as quais foram transformadas, desde finais do século XVI, em carvão vegetal, o único combustível utilizado para a produção de ferro até finais do século XIX.

O morro de Araçoiaba é conhecido também pela denominação de morro do Ipanema, toponímico indígena de Ypanema – Y= rio, água + panema = sem valor, ou ainda, aproximadamente, sem peixes, significando, assim, “rio sem valor” ou “rio sem peixes”. A denominação Araçoiaba (“o lugar que esconde o Sol”) aparece, desde o século XVI, em documentos datados com variantes como: Arraraçoiaba, Byraçoiaba, Ibyraçoiaba, Guaçoiava (SALAZAR, 1997, p.17). Ocupa uma área isolada no interior de uma extensa bacia sedimentar que os geomorfólogos denominam de “Depressão Periférica Paulista”, pertencente à Bacia do Paraná. Esta área constitui um “horst dômico”, em razão do seu formato arredondado, que lembra estruturas de coberturas do tipo domos (DAVINO, 1975, p.130).

Do ponto de vista geológico, o morro é uma formação montanhosa resultante de “fenômenos de intrusões de rochas alcalinas que ocorreram associadas às atividades tectônicas do Arco de Ponta Grossa no período denominado Cretáceo Inferior”[4], contemporâneo do vulcanismo basáltico na região Sudeste – Sul do Brasil. A intrusão magmática de Ipanema ocupa área aproximadamente circular de nove quilômetros quadrados. Sua maior altitude está em 970 metros, sendo que dele “é possível observar um dos trechos do vale do Médio - Tietê, como também, três importantes unidades de relevo do Estado de São Paulo-Brasil: a Depressão Periférica, o Planalto Atlântico e as Cuestas Arenito – Basálticas, no caso, a Serra do Botucatu” (CARPI JR., 2002, p.1).

Está situado no centro-sul da Depressão Periférica Paulista, na Latitude sul: 23º25’ / 23º17’; Longitude: 47º35’ WGr / 47º40’ WGr,  no município de Iperó-SP, entre Sorocaba-SP e Boituva-SP  a cerca de 125 km da Cidade de São Paulo-SP. Encontra-se ainda dentro de uma área de proteção ambiental com 5.069,73 hectares pertencente ao FLONA Ipanema: Floresta Nacional de Ipanema do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), criada em 1992 para preservar e conservar um dos maiores fragmentos de Mata Atlântica do Estado de São Paulo, bem como áreas de cerrado, várzea e os ecossistemas associados[5].

 

            O minério de ferro encontrado no morro de Araçoiaba é a Magnetita, cujas jazidas são encontradas no Brasil nas regiões que compreendem desde o Sudeste do Estado da Bahia até o Leste do Estado do Paraná e Nordeste do Estado de Santa Catarina. Contudo, sempre se apresentam impregnado de Titânio (Ti O2)em proporções que variam desde 0,4 até 16%. A exagerada densidade dessa magnetita concorre para torná-la inaproveitável para a redução mesmo nos altos fornos a coque, a menos que sofra prévio e demorado tratamento ou que seja misturada a minérios menos densos (e, portanto, algo impuro) tais como a canga, a Hematita e outros. De outro lado, o óxido de titânio que a impregna, dificulta, quando não impede inteiramente, a transformação em gusa ou em esponja. (AMARAL, 1946, p. 264-266 Apud FRAGA, 1968 p.32).  No morro de Araçoiaba, as jazidas de Magnetita encontram-se na “forma de depósitos aluviais e concentrações in situ a poucas dezenas de metros de profundidade” (DAVINO,1975, p.129).

Embora, no final do século XIX, os conhecimentos científicos da Química e da área da metalurgia já estivessem avançados, a composição da Magnetita do morro de Araçoiaba impregnada de óxido de Titânio, não era conhecida[6]. A carência de conhecimento científico sobre as propriedades químicas dessa magnetita foi, provavelmente, uma das causas dos três séculos de tentativas de se produzir ferro naquele local e das inúmeras críticas que eram feitas aos fundidores e administradores. Sendo assim, podemos indicar que essa realidade técnica foi determinante para que não se produzisse com o minério do morro de Araçoiaba, desde finais do século XVI, ferro de boa qualidade.

             A dificuldade de produzir um ferro de boa qualidade, a partir da fundição daquele minério, ficou amplamente registrada nos documentos do século XVIII, quando Domingos Pereira Ferreira apostou na construção de uma Fábrica de Ferro naquele local. Embora tenha construído diversos tipos de fornos, notadamente, fornos baixos e empregado diferentes modos de fundição, não havia conseguido um bom resultado. No século XIX, essa mesma dificuldade permaneceu nos trabalhos de fundição com o emprego dos altos-fornos – os primeiros construídos no Brasil -  na produção de ferro da Real Fábrica de Ferro de Ypanema, fundada em 1810, naquele mesmo local.

 

Fornos de fundição: o processo direto de produzir o ferro

 

            A utilização de fornos baixos, comprovados pela pesquisa arqueológica, nos empreendimentos instalados no morro de Araçoiaba antes da instalação da Real Fábrica de Ferro de Ypanema indicam que o processo de produção do metal estava fundamentado na técnica de fundição que ficou conhecida como “processo Direto” ou “método de redução direta” e o ferro produzido era o “ferro doce”.

Até o século XV, com o aparecimento do alto-forno em território europeu e, posteriormente, a sua difusão, esta era a única técnica conhecida e empregada na produção daquele metal, que poderiam ser transmitidas oralmente ou por meio dos Tratados Técnicos de Metalurgia que passaram a ser publicados no século XVI, entre eles: De La Pirotechinia de Vannoccio Biringuccio (ca. 1480-1539) e De Re Metallica, de Georgius Agrícola (1494-1555).

            A produção de ferro nos fornos baixos – “processo direto” - era feita mediante o emprego de carvão vegetal, com a utilização de foles feitos de peles de animais e madeira acionados manualmente para insuflar ar para ativar a combustão ou então, após a mecanização da produção, com a utilização de rodas e da trompa hidráulica, esta última, elemento característico dos fornos que utilizavam o método catalão de fundição. 

            O primeiro emprego da roda d’água vertical na produção de ferro foi introduzido na região correspondente aos Pirineus Catalães. Neste local desenvolveu-se uma instalação destinada a produzir ferro denominado de “fábriques ou fábregues” que, depois, passou a ser conhecida como “fargues” ou “farga” (o termo era usado tanto para descrever os lugares onde era obtido o ferro como seu processamento). A partir do século XIV, o emprego da roda foi difundido na região basca – Espanha, favorecida pelos três elementos fundamentais necessários para a sua instalação: a geografia da região formada por um território montanhoso, com a presença de um significativo número de rios; as jazidas de ferro e a floresta que fornecia o carvão vegetal, o único combustível utilizado naquele processo até o século XVIII[7].

            Na Catalunha, junto com o desenvolvimento das “fargas”, aprimoraram-se tanto as técnicas relacionadas à construção dos fornos como ao seu sistema de funcionamento, que ficou famoso no mundo todo como procedimento da “forja Catalã” ou “procedimento catalão” (MOLERA.1983 p.11).

            A forja Catalã ou forno catalão foi um sistema intermediário entre os fornos baixo e os altos fornos utilizados atualmente. Essa técnica dominou todo o processo de obtenção do ferro e aço durante a Idade Média, espalhando-se para a Alemanha, Áustria, Inglaterra, França e Itália.  Desde a Idade Média até finais do século XIX esses países, entre outros, conseguiam produzir ferro mediante aquele sistema.

            O período áureo do emprego da forja catalã se dá entre os séculos XVII e XVIII, devido, sobretudo, à introdução de um outro mecanismo em substituição aos foles acionados pela roda hidráulica: a “trompa de água” (sistema empregado par injetar ar no forno). Desenvolvido na Itália, este novo equipamento se difunde pelas regiões dos Pirineus da península Ibérica e foi assimilado pelas manufaturas catalãs até o ponto de integrá-las como uma das características do método que leva o nome de “farga catalana” ou forno catalão. Já, nas ferrarias bascas, a trompa de água, não foi amplamente difundida, prevalecendo a utilização de rodas d’água para o acionamento de foles e do malho ( MALUQUER DE MOTES,  1983, p. 23).

Esses fornos alcançavam apenas temperaturas que variavam entre 1.200ºC e 1.300ºC, insuficientes para a fusão completa que se dá além de 1535ºC e, portanto, o ferro obtido, com aquela temperatura, não era retirado do forno em estado líquido e sim em estado pastoso. A essa temperatura (1200/1300ºC), o minério de ferro transformava-se em uma “massa esponjosa”, repleta de impurezas (escórias que ainda apresentavam uma significativa quantidade de ferro na sua composição). Essa massa era então, colocada sobre uma bigorna e, por meio de martelamento manual ou mecânico, retiravam-se as escórias que ainda permaneciam grudadas naquela massa, compactando-a e dando forma ao metal.

A partir da analise da pesquisa arqueológica no Sitio Afonso Sardinha, observa-se que não foram encontrados vestígios da presença do forno do tipo catalão, normalmente instalados no interior dos edifícios de fundição, mas sim, três vestígios de fornos do tipo baixo, descritos anteriormente, que empregavam a técnica do “processo Direto” de fundição.

Entre os fornos encontrados destacaremos apenas um deles (Fig.2) por ter se apresentado mais conservado para a análise, Trata-se de um forno do tipo baixo de forma circular com 0,70 m de diâmetro interno e 1,00 m de diâmetro externo, com 0,30 m de profundidade. A estrutura apresenta, na base um vão de 0,15 m, que corresponde à abertura, através da qual se fazia a “corrida das escórias”.

            A parede circular do Forno  é “ assentada  diretamente sobre o solo e é constituída por tijolos e fragmentos de telhas e argamassa com argila do próprio solo original” (ANDREATTA, 1987, p.65-66). Junto ao vão existente no piso do forno, foi feito, durante a pesquisa, um pequeno corte (0,25 m X 0,25 m X 0,10 m) para evidenciar, com maior precisão, a função que teria aquela abertura em relação à estrutura do forno de fundição.

            Com base nas investigações arqueológicas desenvolvidas foi possível evidenciar a existência de uma camada de 0,02 m de “solo compactado e queimado e com maior resistência em relação ao restante do solo original, abaixo dele e do entorno” (ANDREATTA, 1987, p.65-66), comprovando que, de fato aquela abertura correspondia ao orifício responsável pela drenagem das escórias. Esta abertura era comum a todos os fornos de fundição do tipo forno baixo, com emprego do método direto.

 

A fábrica de ferro e a utilização da energia hidráulica.

 

            Além dos vestígios de fornos de fundição foi encontrada uma ruina de uma fábrica de ferro (Fig.3) e um conjunto de estruturas identificadas como pertencentes a um sistema hidráulico destinado à produção da força motriz destinada ao acionamento de equipamentos relacionados a produção de ferro. Entre essas estruturas, notam-se a presença de um canal de derivação (vestígios de uma canaleta) e uma vala com dezenove metros de comprimento, destinada ao alojamento da roda hidraulica.

 

            Ao analisarmos o conjunto das estruturas arqueologicas então descobertas, considerando o contexto relacionado à produção do ferro na Europa entre os séculos XVI ao XVIII e levando em conta os conhecimentos que emanam da História Colonial do Brasil e da História da Técnica, é possível estabelecer muitas semelhanças entre os arranjos das “ferrarías de água” destinadas a produção de ferro na Espanha (País Basco) e os vestígios descobertos no vale das Furnas (Sitio Arqueológico Afonso Sardinha).    

            Gilberto Freyre, em seu trabalho Ferro e Civilização no Brasil (1988, p.249-251), destaca como conhecedor do trabalho com o ferro, não somente o colono português como também os padres da Companhia de Jesus. Para esse autor, ambos haviam iniciado seus saberes com ibéricos, os quais haviam desenvolvido as “ferrerías”, os “hornos” e aperfeiçoado as técnicas de fundição com o “horno catalán”. Entre os conhecedores de metalurgia, estava o jesuíta José de Anchieta, o qual havia informado, em 1554, a existência de minérios nobres e do ferro nas imediações da atual cidade de São Paulo[8].

            Diferentemente do que ocorreu nas colônias espanholas da América, os indígenas que foram encontrados no Brasil pelos europeus, não tinham conhecimento metalúrgico e, portanto não utilizavam nenhuma técnica de fundição que pudesse ser adaptada aos interesses do colonizador.

Quanto ao conhecimento e a exploração do minério e produção do ferro, as técnicas necessárias eram totalmente desconhecidas no Novo Mundo. Sendo assim, podemos afirmar que essa técnica foi totalmente trazida pelos europeus, em especial pelos espanhóis.

            Logo após a União Ibérica (1580-1640), destacamos a presença de D. Francisco de Sousa, português a serviço a Coroa espanhola, que promoveu e organizou diversas expedições destinadas a descobrir e explorar minas de ouro, prata e outros metais. Destaca-se ainda na gestão de Don Francisco de Sousa, a presença do mineiro castelhano Manoel João Branco (ou Morales) que foi enviado, em companhia de um outro mineiro de prata ao morro de Araçoiaba para examiná-la. Este mineiro acabou por confirmar que aquela Serra era “riquíssima de yerro”[9].

 

Os artefatos

 

            Dos vestígios relacionados à atividade de mineração e fundição destacam-se a presença de um amontoado de resíduos de fundição da magnetita conhecidos como escória, os quais se distribuem por uma ampla área do terreno identificada como escorial. Amostra desse material encaminhada para análise para o Departamento de Mineralogia e Geotectônica GMG, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, constatou-se ser aquela amostra “[...] provavelmente restos de fundição. Trata-se de Wüstita (FeO) mais Ferro (Fe). Esses  materiais são muito raros como minerais, mas comuns em fundiçoes” [10].

            Entre as peças cerâmicas, destacamos a presença de uma faiança decorada de origem portuguesa, formada por fragmentos de louca de uso doméstico (Fig. 5). O artefato, segundo descrição apresentada em Itinerário da Faiança do Porto e Gaia, publicação do Museu nacional de Soares dos Reis, constitui como “típicas tijelas malegueiras decoradas no fundo e na orla com filetes concêntricos azul [...] que apresentam temas decorativos recorrentes dentro das faianças conhecidas para a segunda metade do século XVII [11].

Além de faianças, como o exemplar acima, foram coletados, pela pesquisa arqueológica, vários fragmentos cerâmicos decorados, que puderam ser parcialmente reconstituídos e que foram encaminhados para a realização de ensaio de datação. Pelo menos dois desses artefatos apontaram, após ensaio pelo método da Termoluminescência, terem sido produzidos em meados do século XVI. Quanto a reconstituições realizadas mostram que os objetos tratavam-se de vasilhames, cuja característica possibilitou a sua classificação como de produção local ou regional (cerâmica neo-brasileira) – (Fig. 6).  Ambos os objetos mostram a existência de um apêndice (alça) que identifica a influencia do europeu na fabricação daquele objeto, permitindo deduzir que o local teria sido um sitio de contato (entre indígenas e europeus).

 

Considerações Finais

 

1-                 A partir das evidências arqueológicas levantadas pela pesquisadora Margarida Davina Andreatta no Sítio Afonso Sardinha, foram elaboradas análises e, em seguida as interpretações com base nos conhecimentos da Arqueologia Histórica e da História da Técnica relacionadas a produção de ferro. Tais estudos permitiram comprovar que aquela área arqueológica corresponde a um campo de exploração e produção de ferro desde a segunda metade do século XVI.

 

2- As ruínas da Fábrica de Ferro indicam que as mesmas tratam de instalações de modelo de produção industrial, inclusive com divisão de tarefas em áreas distintas, uso de energia hidráulica transformada em força mecânica para movimentação das ferramentas e para insuflação do ar para queima do carvão nos fornos de fundição.

 

3- A planta da edificação principal – Fabrica de Ferro - evidenciada, se ajusta aos arranjos de espaço produtivo de ferro, típicos de modelos encontrados naquele mesmo período nas áreas de mineração da Península Ibérica, notadamente aquele desenvolvido na região basca.

 

4-  Os exames dos vestígios dos fornos de fundição encontrados na área indicam que são do tipo baixo, provavelmente insuflados a fole de mão, não sendo possível afirmar que seriam fornos do tipo catalão.

 

Bibliografia Citada.

 

ALMEIDA,Miguel; Botelho Iva Teles ett all.  Itinerário da Faiança do Porto e Gaia, Lisboa (Portugal): IPM – Instituto Português dos Museus / Museu Nacional Soares dos Reis, 2001.

AMARAL, Afrânio do. Siderurgia e planejamento econômico do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1946.

ANDREATTA, Margarida Davina. Diário de Campo 1983-1898. Projeto Arqueologia Histórica. Museu Paulista – Universidade de São Paulo.

BARBOSA, Francisco de Assis. Dom João VI e a Siderurgia no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exercito, 1958. p. 26.

CARPI JR. Salvador. Viagem à Floresta Nacional de Ipanema. INEVAT, 2002.

CORTESÃO, Jaime. Jesuítas e Bandeirantes no Guairá. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951 p. 182.

DAVINO, André. Geologia da Serra de Araçoiaba, do Estado de São Paulo. Boletim IG, USP, v.6: 129-144, 1975.

FRAGA, Estefania Knotz Gançucu. Subsídios para o estudo da história da Real Fábrica de ferro de Ipanema- 1799-1822.  São Paulo: s.n, 1968.

Freyre, Gilberto. Ferro e Civilização no Brasil. RJ:editora Record, 1988.

La Farga Rossel. Disponível em

Maluquer de Motes, J.. La siderúrgia tradicional i la Farga. Catalana. Revista «L’Avenç, nº 72, juny 1984.

Molera i Solà, Pere. Llibre de la Farga.Barcelona: Rafael Dalmau, Editors, 1983.

MONTEIRO, John.  Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994

Neme, Mário.  Notas de revisão da História de São Paulo. São Paulo: Editora Anhambi, 1959.

TAQUES, Pedro. Noticias das minas de São Paulo e dos sertões da mesma capitania. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1954.

RODRIGUES, Leda Maria Pereira. As Minas de ferro em Araçoiba (São Paulo. Séculos XVI-XVII-XVIII). Annais do III Simpósio dos Professores Universitários de História. Franca, 1966.

SALAZAR, José Monteiro. Araçoiaba & Ipanema: a história daquela maravilhosa região, desde as forjas de Afonso Sardinha até a real Fábrica de Ferro. Sorocaba: gráfica e editora Digipel. 1998.

VERGUEIRO, Nicolau Pereira de Campos. História da fábrica de Ipanema e defesa perante o Senado. Brasília: Senado federal, 1979.

ZEQUINI, Anicleide. Arqueologia de uma fábrica de ferro: morro de Araçoiaba, séculos XVI-XVIII. Tese (Doutorado em Arqueologia), Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.

 


[1] O texto integral dessa Tese de Doutoramento poderá ser consultado em http://www.teses.usp.br.

[2] Filho de pai branco e mãe indígena. No caso dos mamelucos, os pais reconheciam publicamente a paternidade e os filhos gozavam da liberdade plena e aproximavam-se à identidade portuguesa. Essa denominação cai em desuso no século XVIII e é substituída pelo termo bastardo, que passava a designar qualquer pessoa com ascendência indígena. (MONTEIRO, 1994, p 167).

[3] A fábrica de ferro de Santo Amaro foi fundada em 1607 e construída na freguesia de Santo Amaro, próxima a atual cidade de São Paulo - Brasil, pela sociedade formada em 1609, entre Diogo de Quadros juntamente com Francisco Lopes Pinto e D. Antonio de Souza, filho de D. Francisco de Sousa, que havia sido o Sétimo Governador Geral do Brasil (1591-1602) e, a partir de 1606, Governador das Minas das Capitanias do Sul. As Capitanias do Sul correspondiam às Capitanias do espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente.

[4] “Duas medidas efetuadas no Laboratório de Geocronologia da USP, segundo o método do potássio-argônico, indicaram para as rochas alcalinas de Ipanema idade cretácea inferior. Estas determinações foram feitas em biotita, contidas em shonkinitos-pórtiros” (DAVINO,1975).[5]A FLONA – Floresta Nacional de Ipanema possui plantas e fauna de grande representatividade, tendo catalogado mais de 200 espécies de aves, 52 de mamíferos, 18 de anfíbios, 15 de répteis e 35 de peixes, que totalizam 21,6% da riqueza do estado de São Paulo. Características do relevo: Até 600 metros – várzea dos principais rios, como Ipanema e Verde, de declives suaves. Acima de 875 metros – topo do Morro Araçoiaba, geralmente com platôs e declives suaves/medianos. De 600 a 725 metros – base das serras, de declives acentuados (medianos), com nascentes de rios, principalmente os intermitentes. De 725 a 875 metros – próximo ao topo, de declives acentuados, com rios encaixados entre as vertentes, como o Ribeirão do Ferro.

                Hidrografia: Integra a bacia hidrográfica do rio Sorocaba/Médio Tietê, classificada como UGRHI No 10, com sub-bacias dos rios Ipanema e Verde e ribeirões Iperó e do Ferro. Clima: O Trópico de Capricórnio passa pela parte sul da Floresta Nacional de Ipanema, caracterizando uma zona de transição, de tropical para temperada. Segundo Koeppen apresenta condições climáticas tipo Cfa – subtropical quente, constantemente úmido, com inverno menos seco - ao sul, limitando com Cwa – subtropical quente, com inverno mais seco - ao norte.

                Uso do solo:  2.800 hectares – floresta estacional semidecidual, em estágio de regeneração do inicial ao tardio. 295,15 hectares – capoeira alta (grotões) e cerrado. 242,93 hectares – capoeira baixa. 250 hectares – várzea, açudes e represas. 221,50 hectares – reflorestamento com espécies de rápido crescimento e nativas. 1210,16 hectares – assentamentos rurais. 50 hectares – sede administrativa, vilas residenciais e sítios histórico-culturais. Ver Floresta Nacional (FLONA) de Ipanema NACIONAL. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sp/index.php?id_menu=191> acesso em 22.mar.06.

[6]O titânio foi descoberto em 1791 por Willian Gregor, mas só se tornou bem conhecido após os estudos de Wohler em 1857 e Peterson em 1887.

[7] Com a Revolução Industrial, do século XVIII passaram a utilizar como combustível o carvãocoque.

[8] José de Anchieta era descendente de bascos, seus pais eram de Guipúzcoa, Província do País Basco.  BARBOSA, Francisco de Assis. Dom João VI e a Siderurgia no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exercito, 1958. p. 26.

[9] Ver Carta de Manuel João Branco Morales a D. Felipe IV. CORTESÃO, Jaime. Jesuítas e Bandeirantes no Guairá. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951 p. 182.

[10] Análise elaborada por Daniel Atencio, Professor Associado do departamento de Mineralogia e Geotectônica GMG-IGUSP e enviado por e-mail no dia 21 set. 2005.

[11]Almeida , Miguel; Botelho Iva Teles ett all.  Itinerário da Faiança do Porto e Gaia”, Lisboa (Portugal): IPM – Instituto Português dos Museus / Museu Nacional Soares dos Reis, 2001.

Comentários