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Publicado: Quinta-feira, 23 de junho de 2005

Eu sou um outro você

Quantas vezes levantamos nosso dedo para alguém, criticando suas ações e escolhas? Quantas vezes defendemos uma idéia com ardor e fervor, como se o nosso ponto de vista fosse o único possível no universo? Quantas vezes nos confrontamos com pessoas porque julgamos seus atos inadequados e insensatos?

Estas atitudes são mais do que comuns em nosso dia a dia. E enquanto fazemos isso, falamos de paz, de compaixão, de aceitação das diferenças e de inclusão. A vida é mesmo cheia de armadilhas. Criticamos algo ou alguém e, sem perceber, estamos fazendo exatamente a mesma coisa, disfarçada com outras vestes. Quantas vezes ouvimos de nossos filhos: “mamãe/papai, você fala pra eu não fazer isso e você está fazendo!”

Tomar consciência deste “fenômeno” é útil para nos ensinar sobre humildade e aceitação. Os maiores conflitos dentro da nossa família, nas amizades e no trabalho nascem exatamente deste tipo de atitude, de querer impor a nossa verdade para os que estão a nossa volta. Isso porque ainda não aprendemos uma lição importante da vida: A verdade não tem uma face, tem milhões de faces.

Precisamos aprender a dançar essa coreografia, olhar de vários ângulos, abrir frestas, largar nossa teimosia para aprendermos a ser mais livres. O julgamento sempre aprisiona, a aceitação liberta.

Quando conseguimos, ainda que por instantes, reconhecer que a verdade da outra pessoa, mesmo sendo contrária, é tão válida quanto a nossa, um caminho se abre a nossa frente, trazendo possibilidades inimagináveis. Todas as verdades são únicas e cada ser humano, no seu caminho tortuoso, vai aprendendo isso às duras penas.

Quando olhamos pra trás, enxergamos que muitas das coisas nas quais acreditávamos e defendíamos hoje não fazem o menor sentido. Então, se a nossa própria visão muda, como podemos ser donos da verdade?

Essa consciência é refrescante, quando finalmente nos damos conta de que é muito mais gostoso viver sem defender o nosso ponto de vista com espadas e escudos. Não há liberdade quando cada um quer impor a sua verdade ao outro. E fazemos isso constantemente. Está aí nossa maior prisão e ao mesmo tempo nossa maior chance de libertação.

Não é fácil aceitar as coisas e as pessoas como elas são. Não é fácil olhar a nossa verdade como apenas uma gota do oceano, não a única e nem a mais importante. Não é fácil ouvir com o coração aberto. Mas nos raros instantes em que conseguimos, o sentimento é o mais delicioso que podemos experimentar. Nos damos conta de que nossas dores são as mesmas, nossos sonhos são os mesmos, nossos anseios, inseguranças, medos e desejos fazem todos parte de uma coisa só: da vida. Minha, sua, de todos nós. Nesse instante compreendemos: “eu sou um outro você”. Nosso coração sorri e a liberdade entra em nossa casa.

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