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Publicado: Terça-feira, 15 de agosto de 2006

Eternamente jovem

Busca pela juventude eterna leva mulheres a perderem a identidade

A Internet está repleta de sites masculinos que desancam as escamoteações perpetradas pelas mulheres. Transformadas em princesas no fenótipo, elas guardam no genótipo o segredo inconfessável de que, na verdade, são sapos.

Hoje é possível “comprar” um nariz, seios e nádegas protuberantes, aspirar as gorduras e até adquirir a boca e os dentes de atrizes hollywoodianas. Para as menos abastadas, calças de strech vêm com recheio traseiro ou costuras especiais para arrebitar, comprimir, erguer, diminuir ou aumentar o tamanho dos glúteos. Sutiãs contêm espumas no bojo para darem a ilusão de volume. Alças cruzadas nas costas empinam os seios e um regulador frontal ajustável proporciona que se projetem para fora dos decotes.

Depois da cirurgia plástica, lipoaspiração, aplicações de silicone e botox – só para ficar em alguns recursos empregados para a metamorfose – o feminino perdeu suas marcas pessoais e o indivíduo, o registro da vida. Não se envelhece mais. As gerações futuras desconhecerão o significado de “envelhecer com sabedoria e dignidade”. O elixir da juventude foi encontrado nos consultórios, hospitais e clínicas estéticas, onde a mulher torna-se uma réplica perfeita de milhares de outras, “eternamente” jovens.

Os antes variados atributos transformaram-se em matéria-prima para as indústrias que os massificam, produzindo em série milhões de rostos de porcelana com maçãs altas, lábios carnudos e pares de seios, que, invariavelmente, lembram bolas de handball. Falta discernimento, equilíbrio e conhecimento do conjunto de fatores que dão origem à “boneca” pré-fabricada. A ficção do belo corpo dócil e sedutor das mulheres serve de suporte ideológico a todas as práticas da cultura, tais como a economia, a propaganda, a medicina, a indústria audiovisual, a política e a religião. A mulher ocidental moderna, tão orgulhosa de suas conquistas através dos séculos, continua a sofrer de miopia congênita.

Ao longo da História, padrões de beleza foram impostos às mulheres, que sempre se tornaram reféns deles.

Na Europa renascentista eram as formas carnudas e voluptuosas que as tornavam apreciadas. No Japão dos samurais (Era Heian, 794 a 1185), belas eram as mulheres da Corte que tingiam os dentes de preto, com alva pele e longos cabelos sedosos.

Na antiga literatura chinesa, a beleza era esguia e frágil. Nos últimos mil anos, dois bilhões de mulheres mutilaram seus pés para torná-los minúsculos. Quando crianças quebravam os ossos e os enfaixavam, dobrando para dentro os dedos para que não crescessem. Sinônimo de graça e leveza, o culto aos “pés de lírio” só foi abandonado após a decadência da Dinastia Ch’ing, no início do século 20.

Já no Ocidente, após a Segunda Guerra Mundial, as mulheres roliças eram consideradas atraentes. Esse modelo foi substituído pelo longilíneo, consolidado pela modelo inglesa Twiggy, nos anos sessenta.

Atualmente, apesar das variações nos padrões de beleza, a ciência isolou algumas características estéticas que parecem agradar a diferentes povos. Mulheres com cintura fina, quadris largos, corpo e rosto simétricos, pele macia, lábios carnudos e cabelos espessos fazem sucesso em qualquer lugar. O motivo, segundo a Biologia Evolutiva, é que tais características estariam ligadas à juventude e fertilidade, assegurando a sobrevivência dos genes.

As preferências seriam orientadas pelo instinto de preservação da espécie, que alimenta a atração sexual com corpos mais qualificados reprodutivamente, já que mulheres saudáveis, em idade reprodutiva, têm a razão entre cintura e quadris de 67 a 80 centímetros.

Milhares de justificativas podem ser encontradas na história da humanidade, refletindo muito mais do que uma questão estética, reprodutiva ou de puro gosto. O controle das sociedades patriarcais sobre a mulher refletiu-se, em todos os tempos, na conduta, posturas moral e sexual e na qualidade que seus atributos pessoais deveriam ter.

O advento da Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo geraram novos mecanismos e ferramentas para a preservação do antigo patriarcado. A mulher virou produto para a indústria de cosméticos. O resultado é o lucro de bilhões de dólares acumulados anualmente por ela e por outras indústrias – da estética e cirurgia plástica - que impõem a importância da aparência, da imagem e do corpo.

Na era da TV, do cinema e da fotografia, o padrão de beleza uniformizou-se e foi difundido às massas. As revistas masculinas vendem milhares de cópias de modelos ou artistas de novelas nuas – todas iguais. A ditadura imposta pela mídia é um fator essencial para o controle da sexualidade feminina. A visão simplista da relação existente entre beleza física e sexualidade leva à exploração dos atributos relacionados a ela, como o tamanho dos seios, coxas, glúteos, lábios e cor dos cabelos - elementos utilizados para avaliar o ser sexual. A sexualidade é removida do mundo privado tornando-se pública, sujeita à definição, inspeção e controle social.

Independente da idade, a maioria das mulheres torna-se prisioneira dos discursos ideológicos que constroem o mito de sua beleza. Elas devem ser magras, brancas e ricas para se vestirem e maquiarem segundo a última moda, eternamente jovens felizes e heterossexuais, com o dever permanente de agradar sexualmente aos homens. São, ainda, a mulher e seu corpo a serviço do desejo masculino.

O mito da beleza feminina oculta a rica diversidade humana. Seus criadores retiram tudo o que se relaciona à subjetividade ou à experiência específica do indivíduo, privando-o de nome e de história pessoal. O vazio é preenchido com características transcendentes. Imagens repetidas incessantemente e discursos incentivam a olhar para o próprio corpo e o dos outros e julgar os indivíduos por sua aparência física.

A eficácia é indiscutível. Ao lado do mito da beleza que evidencia a esbeltez, a juventude e um estilo ousado de vestir, somam-se as ficções da pureza feminina, da bondade maternal e do espírito de renúncia e sacrifício, “inerentes” à mulher. Lamentável é saber que o ser humano, seja homem ou mulher, é infinitamente mais do que estabelece a mídia. Bom seria se um beijo amoroso pudesse transformar as princesas virtuais em sapos de verdade. Afinal, tudo tem sua beleza.

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