Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

Estrela Solitária

Parece um incontrolável incêndio a tomar conta daquela região. O céu, na cor do deserto em chamas, sugere que o pedaço da abóbada foi recoberto por uma fina película de metal incandescente. O astro que desconhece a noite está mudando de hemisfério. Do outro lado, completará a travessia e, então, iniciará um novo ciclo. A coloração cúprea não resiste por muito tempo à invasão azulada. Como uma tênue bruma que avança silenciosamente, outra tonalidade se impõe e, assim, dá-se inicio à noite.
Nesse momento ela aparece. Solitária, brilhante e de beleza comparável a um diamante lapidado por mãos divinas. Permanece suspensa por newtoniana magia - os físicos denominam gravidade. Observa e é observada por incógnitos admiradores, hipnotizados por um brilho que se destaca na imensidão sideral. Com o passar do tempo, outros pontos brilhantes vão surgindo, como uma epidemia cintilante que rapidamente se espalha pela esfera celeste.
Nenhum som, nenhum movimento de merecedor destaque e nenhum sopro de vida. Interrogo-a e ela permanece muda. Silenciosa, parece não querer contar as histórias e os segredos registrados nos milênios do lento vagar cósmico. Pergunto-lhe a respeito do futuro da humanidade e nada; questiono-a sobre o destino daquele grande amor de outrora e novamente impera o silêncio. Arrisco inquirí-la sobre o Criador. Nenhum sinal inteligível. Peço-lhe que ilumine as trajetórias de meus filhos e ela nada promete. Lembro-me de uma canção; uma bela canção chamada Unicórnio Azul. Os olhos marejam e tenho a impressão de que seu brilho pulsa. Um sinal de concordância com a escolha, ou será meus olhos que falham?
Continuo a pensar, sozinho, refletindo sobre o caminhar da vida, os amigos, os irmãos, aqueles que se foram, alguns outros dos quais não tenho notícias e que estão em algum lugar do planeta. Saudade, irmandade, solidariedade, eternidade. Passa-me pela mente o trabalho que nos consome, a dificuldade em adotarmos atitudes mais definitivas, o caminhar solitário de tantos em busca dos mesmos caminhos e utopias, a sensação de impotência frente às soluções tão óbvias. Misérias, disputas, fome, dificuldades de convivências (no micro e no macro), amor, paixão, ilusões. Imagens efêmeras e de profundas raízes. Sono; amanhã tudo de novo!
Deusa da beleza, do amor e dos prazeres. Vésper, Véspero, estrela Vésper, estrela da tarde, estrela matutina, estrela da manhã, estrela d'alva, estrela do pastor. Com a luminosidade que lhe emprestam, brilha nas noites, muito mais que as gigantes dos longínquos sistemas. Brilho que penetra pelos poros, percorre as veias e ilumina o coração. Radiação que contamina e me faz dormir com a certeza de que - apesar de...- vale a pena sonhar.

Comentários